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João Paulo Martinelli e Luís Carlos Moro

Trabalho do Padre Júlio Lancellotti é a essência do cristianismo

Proposta de CPI, além de ilegal e inconstitucional, é imoral

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João Paulo Martinelli

Advogado e integrante do Grupo Prerrogativas

Luís Carlos Moro

Advogado e integrante do Grupo Prerrogativas

É com grande perplexidade que recebemos a notícia de que o vereador Rubinho Nunes (União Brasil), da cidade de São Paulo, propôs a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o Padre Júlio Lancellotti e organizações não governamentais (ONGs) que realizam trabalhos de proteção aos moradores de rua e dependentes químicos.

Inicialmente, cabe destacar que uma CPI somente pode ser instalada para apuração de fato determinado, conforme o art. 58 da Constituição Federal e a lei 1.579/1952. No entanto, conforme as declarações do vereador, vê-se que se trata de uma perseguição a uma pessoa verdadeiramente cristã, já que suas alegações são vagas e mentirosas. Declarou o parlamentar municipal que o Padre Júlio Lancellotti seria um "explorador de moradores de rua", que "não é uma unanimidade dentro da Igreja Católica" e que "seria um picareta à moda antiga", que faz uso das ONGs como "laranjas" para lucrar politicamente com o "caos instaurado na cracolândia". Por fim, em nota, afirma que "vai investigar toda essa máfia da miséria que se perpetua no poder através de ONGs esquerdistas".

Padre Julio Lancelotti
O Padre Júlio Lancellotti - Instagram @padrejulio.lancellotti

Várias foram as ofensas e insinuações, mas nenhum fato concreto foi apontado. A alegação de que o Padre Júlio seria colaborador de ONGs que fornecem materiais para o uso de substâncias ilegais é uma forma velada de atribuir o crime de tráfico de drogas, atitude degradante do vereador. O fornecimento de seringas e outros objetos para usuários de entorpecentes faz parte da política de redução de danos aplicada em diversos países que optaram por flexibilizar a "guerra às drogas" e é completamente lícita perante o ordenamento jurídico brasileiro.

Outro ponto importante é deixar claro que o Padre Júlio executa seu trabalho pela Pastoral do Povo da Rua, vinculada à Arquidiocese de São Paulo e sem conexão com qualquer ONG.

Percebe-se, então, a reação a um trabalho realizado junto aos moradores em situação de rua e dependentes químicos, pessoas indesejadas pelas elites do país. Tanto é assim que o próprio vereador autor do pedido da CPI não apresentou um projeto sequer para combater a miséria na cidade de São Paulo em seu mandato. Ao contrário, assim como o Movimento Brasil Livre (MBL), grupo do qual fez parte até outubro de 2022, vem frequentemente afirmando que o Padre Júlio seria uma espécie de "cafetão da miséria".

Como é típico da extrema direita brasileira, qualquer medida de política pública que tenha por objetivo reduzir a pobreza é tachada de "cabresto" ou de exploração. Foi, e ainda é assim, por exemplo, em relação aos programas do Governo Federal desenvolvidos pelo presidente Lula em 2003, que são mundialmente reconhecidos e até copiados por outros países.

O trabalho do Padre Júlio é manifestação do cristianismo na sua verdadeira essência. Ao contrário de outras lideranças religiosas, que pregam o ódio ao diferente, o Padre Júlio não faz uso político da igreja, não fomenta o pânico moral para destinar votos a determinados candidatos nem busca vantagens pessoais. Há nítido preconceito contra os moradores em situação de rua e dependentes químicos, além de uso da máquina pública para atrair votos nas próximas eleições daqueles que compartilham da mesma ideologia segregadora.

Políticas públicas devem ser pensadas pela administração pública, que, até o momento, empurra o caos da cracolândia para debaixo do tapete. Cabe então, aos nobres vereadores, entre os quais o proponente da CPI, exigir da prefeitura medidas concretas e eficazes. As ações de benemerência da pastoral conduzida pelo Padre Júlio Lancellotti, sob os auspícios da Arquidiocese de São Paulo, não contam com o auxílio do poder público municipal. Se a energia despendida pelos parlamentares que apoiam essa CPI fosse convertida em cobrança perante o Poder Executivo municipal, certamente teríamos uma cidade muito mais humanizada.

Não podemos nos calar diante da tentativa de prejudicar o trabalho do Padre Júlio Lancellotti. Os mesmos que o atacam se dizem cristãos apesar de não exercerem o cristianismo.

O problema da chamada cracolândia é muito complexo e, obviamente, não será completamente resolvido pelo projeto do Padre Júlio. No entanto, seu trabalho ameniza a dor e o sofrimento daqueles que mais precisam de ajuda. Essa CPI, além de ilegal e inconstitucional, é imoral.

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