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O legado de Bento 16

Ratzinger, de papado problemático, operou mediação intelectual entre fé e razão

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O papa Bento 16 durante celebração de Natal na Basílica de São Pedro - Patrick Hertzog/AFP

Morto aos 95 anos no último dia de 2022, o alemão Joseph Aloisius Ratzinger deixa obra acerca da identidade ocidental tão importante quanto desconhecida daqueles que o viam apenas como Bento 16, "o Rottweiller de Deus".

Foi o primeiro pontífice a renunciar em quase 600 anos. A exótica figura de papa emérito, assumida a partir de então, indicava a manutenção de poder político para contrapor sua visão conservadora ao progressismo encarnado em Francisco, seu sucessor.

Ratzinger pode ter inspirado setores indispostos com a liberalidade do papa argentino, como cardeais americanos que questionam ideias de Francisco, mas na prática viveu como uma sombra.

Sua influência teológica é central. Aos 34 anos, em 1961, escreveu um dos discursos mais importantes da Igreja Católica para Joseph Frings, cardeal alemão chamado pelo papa João 23 para avaliar o Concílio Vaticano 2º, que discutiria a inserção do catolicismo no século 20.

O texto pautou o encontro, que por três anos atualizou atividades, defendeu a conciliação entre fé e ciência, liberalizou ritos. Politicamente, acabou por abrir caminho para o progressismo católico que tanto marcou a religião no Brasil.

Quando seu amigo Karol Wojtila assumiu o papado em 1978, tornou-se chefe da doutrina da igreja. Nessa função, tentou corrigir o que considerava exageros inspirados pelo concílio e passou a ser visto como um Grande Inquisidor, dado a perseguir padres marxistas.

O fez enquanto era celebrado João Paulo 2º, um conservador forjado no totalitarismo comunista assim como Ratzinger havia sido sob o nazismo. Ambos defendiam valores como forma de sobrevivência em um mundo fugaz e mutante.

Opção óbvia para o trono de São Pedro quando Wojtila morreu, em 2005, não era talhado para o lado prático da função, porém notável na teoria. Intelectual de escrita prolífica, não se furtava a debates, como com o filósofo Jürgen Habermas ou com o teólogo Hans Küng.

Foi soterrado por escândalos de corrupção e de pedofilia —acusado de ter ignorado denúncias contra padres, o que negou. Marcou seu papado pela busca de uma instituição menor e coesa, mas fracassou.

Para críticos, com razão, ele afastou a igreja ainda mais de seu 1,3 bilhão de fiéis, maior contingente cristão no mundo. Já seu legado de debate sobre o papel de valores, religiosos ou não, nas identidades coletivas, tende a ser perene.

editoriais@grupofolha.com

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