A atuação do governo Jair Bolsonaro (PL) durante a pandemia foi desastrosa —em atos, com inépcia logística, e palavras, com falácias sobre os efeitos colaterais das vacinas. A mudança de gestão trouxe a sensatez baseada em evidências de volta à pasta da Saúde.
Contudo os efeitos do discurso negacionista, notadamente sobre imunizantes, permeiam alguns setores da sociedade brasileira.
No primeiro dia deste ano, o Calendário Nacional de Vacinação passou a incluir a inoculação contra a Covid-19 para crianças de 6 meses a 5 anos de idade. Poucos dias depois, o Conselho Federal de Medicina lançou uma pesquisa para saber a opinião dos médicos sobre a vacina para essa faixa etária.
A ação reúne problemas incompatíveis com um órgão ligado à atuação técnica na área médica.
A precariedade da metodologia do questionário —com apenas quatro perguntas, sem espaço para comentários, direcionadas a profissionais de especialidades diversas, sem foco em pediatria, infectologia e imunização— só pode gerar resultado no mínimo enganoso ou, pior, que implique confusão e mistificações sobre o tema.
A Organização Mundial de Saúde atesta a eficácia e a segurança da vacinação de crianças, que já está presente em 60 países.
O guia de imunização da OMS indica grupos de alta prioridade, como idosos, e faz recomendações de protocolo à população geral. Crianças com comorbidades devem receber uma dose —ou duas, no caso de vacina inativada.
Abrir espaço para o questionamento de evidências estimula posições refratárias à imunização na população em geral e entre médicos —não foram poucos os que, durante a crise sanitária, criticaram vacinas e emitiram receitas contraindicadas, como de cloroquina.
O CFM alega que já fez consultas gerais entre os profissionais sobre telemedicina e publicidade médica. No entanto esses temas não estão diretamente relacionados a medidas que podem salvar vidas.
Desde o início da pandemia, foram 2.103 casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, uma manifestação tardia da Covid-19. Até novembro, o vírus havia matado 135 crianças menores de 5 anos. Mas, em agosto de 2023, apenas 11% dos brasileiros até essa idade estavam vacinados.
Em vez de ações dúbias com métodos precários, o CFM deveria contribuir para o aumento desse índice de imunização.
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