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CFM pede opinião médica sobre vacinação contra Covid em crianças e gera polêmica

Para sociedades médicas, iniciativa pode causar dúvidas sobre vacina que entrou no calendário nacional neste ano

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São Paulo

O CFM (Conselho Federal de Medicina) está realizando uma pesquisa para ouvir a opinião dos médicos sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a Covid em crianças de seis meses a menores de cinco anos, o que vem causando polêmica no meio médico.

Neste ano, a vacina para esse público foi incluída no Calendário Nacional de Vacinação. Desde a sua aprovação pelo Ministério da Saúde, em dezembro de 2022, ela enfrenta resistência de pais, motivada por notícias falsas, desinformação e por opiniões médicas contrárias à imunização.

Evidências científicas demonstram que a vacina é efetiva e segura para a faixa etária. Mais de 60 países já a adotam desde 2021. No entanto, até agosto, somente 11% dos brasileiros de até cinco anos estavam vacinados contra a Covid.

Nara Branco Cardoso, 2, toma vacina Pfizer baby contra a Covid-19 na UBS Cambuci, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

Em comunicado publicado nesta quinta (11), a SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações) disse que a pesquisa do CFM não trará nenhum benefício à sociedade.

"Ao equiparar crenças pessoais à ciência, pode gerar insegurança na comunidade médica e afastar a população das salas de vacinação", diz trecho da nota da SBIm.

Nesta sexta (12), a sociedades brasileiras de infectologia e de pediatria também divulgaram carta em conjunto com posicionamento contrário à pesquisa do CFM, que é aberta a todos os médicos, tem apenas quatro perguntas sem a opção de argumentos ou comentários e é desprovida de metodologia adequada.

"Uma pesquisa com estas características possibilita interpretações equivocadas, e sem perspectivas de fornecer conclusões baseadas em evidências científicas, não sendo, portanto um instrumento de utilidade ao conselho no que diz respeito a posicionamentos e tomadas de decisões."

Ao longo do governo Bolsonaro, o ex-presidente e seus aliados fizeram uma série de ações para minimizar os efeitos da Covid em crianças, espalhar desinformação em relação a efeitos colaterais da vacina e reduziram a disponibilidade de doses aos estados e municípios.

Para o pediatra Renato Kfouri, vice-presidente da SBIm, a pesquisa do CFM tem intuito de polemizar e criar dúvidas acerca de um assunto que já está pacificado há muito tempo entre os especialistas da área.

"Da mesma forma que eu não vou opinar sobre próteses ortopédicas ou stents cardíacos, não tem sentido um ortopedista, um cirurgião receber uma pesquisa do CFM perguntando se ele acha que tem que vacinar ou não as crianças contra a Covid. Que absurdo é esse?", questiona.

Na sua opinião, a pesquisa reacende a polarização política em temas de saúde e ignora as evidências. "Se [o CFM] ainda tem dúvida, consulte os especialistas em infectologia, em pediatria."

Até novembro de 2023, a Covid tinha sido responsável por 5.310 casos de Srag (Síndrome Respiratória Aguda Grave) e 135 mortes de crianças menores de cinco anos no Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde. A incidência e a mortalidade nessa faixa etária crescem desde 2022.

Desde o início da pandemia, o país também já notificou 2.103 casos da Síndrome Inflamatória Multissistêmica Pediátrica, uma manifestação tardia da Covid. Em 2023, houve 51 casos e uma morte. Segundo as sociedades médicas, muitas dessas hospitalizações e mortes poderiam ter sido evitadas se as crianças estivessem vacinadas.

Nos comunicados, elas reforçam os dados sobre a efetividade e a segurança da vacina. "Essas evidências apontam a necessidade de que tenhamos vacinas atualizadas e disponíveis para o grupo de crianças menores de 5 anos, onde ainda temos uma proporção significativa de crianças nunca infectadas e sem doses de vacina", diz Alberto Chebabo, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia.

Também lembram que os critérios utilizados pelo PNI (Programa Nacional de Imunizações) para oferecer qualquer vacina na rede pública são puramente técnicos, levam em conta a aprovação da Anvisa e discussão especializada e aprovada pela Câmara Técnica de Assessoramento em Imunização (CTAI).

Sobre a questão da obrigatoriedade, as sociedades reforçam que todas as vacinas incluídas no PNI e largamente utilizadas na rotina da vacinação das crianças e adolescentes, pela lei brasileira, tem caráter obrigatório, como previsto no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

"É um direito da criança estar protegida contra doenças evitáveis. Isto serve para vacina da poliomielite, sarampo, meningite entre outras, incluindo a vacina contra a Covid-19".

Em relação à autonomia dos médicos em prescrever e acatar decisões estabelecidas por órgãos públicos especializados e competentes em saúde pública, as sociedades médicas questionam: "Teria algum sentido um médico, por acreditar na sua autonomia, deixar de prescrever tratamento para um paciente com tuberculose ativa? Todas as medidas de saúde pública devem ser seguidas pelos médicos ligados aos CRM e ao CFM."

Por fim, reforçam que a incorporação de vacinas pelo SUS é prerrogativa do Ministério da Saúde e do PNI, baseada em robustas evidências científicas e no assessoramento de diversos especialistas, e não tem caráter opinativo.

CFM diz que não contesta eficácia da vacina

Em nota enviada à Folha nesta sexta (12), o CFM diz que, em nenhum momento, contesta a eficácia ou a decisão do Ministério da Saúde de disponibilizar a vacina contra a Covid-19 para a população infantil, e que a pesquisa visa unicamente conhecer a percepção dos médicos brasileiros sobre a obrigatoriedade da vacinação.

Informa que "a decisão decorre de inúmeros pleitos encaminhados à autarquia buscando conhecer o posicionamento do CFM sobre esse tema, pois a bula da vacina disponibilizada pelo fabricante condiciona sua venda à prescrição médica".

Explica também que abordagens semelhantes foram usadas pelo CFM em outros temas, como telemedicina e publicidade médica, entre outros, oferecendo subsídios à autarquia e aos tomadores de decisão.

Diz ainda que solicitou posicionamentos técnicos às suas câmaras técnicas de pediatria, de infectologia e de bioética sobre a obrigatoriedade.

O CFM reforça que respeita o direito de outras entidades médicas se posicionarem sobre a realização da pesquisa, "entendendo que essas manifestações enriquecem o debate ético e científico, desde que não atendam a interesses pessoais, políticos, ideológicos ou financeiros".

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