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Rafael Carrano Lelis

Homonacionalismo e direitos humanos na Palestina

Também grave é a instrumentalização das demandas por liberdade sexual

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Rafael Carrano Lelis

Advogado, pesquisador e ativista LGBTI+; doutorando em direito internacional (Geneva Graduate Institute, Suíça), é mestre em direito (PUC-Rio) e especialista em gênero e sexualidade (Uerj)

O artigo de Bruno Bimbi ("Nascer gay no lugar errado", 28/1), publicado nesta Folha, lista diversas formas de criminalização que podem afetar direta ou indiretamente pessoas LGBTI+. São práticas graves, assim como restrições à liberdade de expressão e de associação, como mostra o relatório "Homofobia de Estado".

Também grave é a instrumentalização das demandas por liberdade sexual e de gênero e apropriações da noção de "direitos LGBTI+" como justificativa, implícita ou explícita, de violações de direitos humanos. Não é raro esse argumento, que pressupõe que a existência de leis criminalizadoras daria razão ao uso de um discurso de defesa de liberdades sexuais para sustentar práticas que violam o direito internacional.

O que se perde nesse fio é que população e Estado não se confundem —e nem se sobrepõem aos governos que os ocupam. Estados são, por excelência, grandes violadores de direitos humanos. Cometem violações em seus próprios territórios e, em situações de guerra, estendem-nas para além de suas fronteiras. Ativistas LGBTI+ lutam contra formas de sanções legais que afetam suas práticas e identidades na maioria dos países (senão em todos) onde tais leis vigoram, seja de forma aberta ou sob a proteção do anonimato que redes transnacionais proporcionam.

O Brasil há muito luta pela efetivação de uma cidadania plena de pessoas LGBTI+ e, embora não criminalize práticas ou identidades ligadas ao grupo desde antes da Proclamação da República, segue com altos números de violência, em especial contra pessoas trans.

A realidade é assoladora, mas não costuma dar espaço para afirmações de que pessoas LGBTI+ brasileiras "nasceram no local errado". Pelo contrário, ativistas se impõem diariamente em seus esforços por vida digna, como fazem seus pares em diversos países por todo o Oriente Médio. Como exemplo empírico, é interessante o trabalho do antropólogo palestino Sa'ed Atshan, que ilustra formas de resistência de pessoas LGBTI+ palestinas e demonstra a conexão intrínseca que existe entre a luta contra a homofobia e aquela pela liberdade do povo palestino.

A crítica à apropriação indevida de pautas libertadoras não é uma negação da homofobia disseminada de norte a sul do globo. O propósito é outro: evidenciar a instrumentalização da pauta de diversidade sexual para mascarar iniciativas de violência contra o povo palestino —prática conhecida "pinkwashing", ou, pegando emprestado o conceito da pesquisadora estadunidense Jasbir Puar, "homonacionalismo".

Há poucas ilustrações tão gráficas disso quanto a foto publicada pelo perfil oficial do Estado de Israel na qual um de seus soldados hasteia uma bandeira arco-íris, tendo ao fundo os escombros de uma Gaza bombardeada. No pano colorido se lê: "em nome do amor". O registro é didático em explicar a superficialidade e incoerência do discurso.

O casamento igualitário poderia passar a vigorar hoje em Gaza, e ainda assim as pessoas LGBTI+ em seu território continuariam com suas vidas ameaçadas pelas ações de um Estado que alega agir em nome de sua "salvação". Se for "em nome do amor", que seja a paz.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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