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O que a Folha pensa desigualdade de gênero

Igualdade salarial não se obtém por canetada

Lei acerta ao dar transparência à disparidade entre gêneros, mas fenômeno é mais complexo do que a mera discriminação

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Mulheres trabalham na linha de produção de uma empresa de cosméticos, em Cajamar (SP) - Eduardo Knapp/Folhapress

Muito em breve serão conhecidos os números da diferença salarial entre gêneros nas empresas com cem ou mais funcionários no Brasil. A divulgação desta informação é resultado do que determina a lei 14.611, sancionada em 2023.

Não será nenhuma surpresa se for constatado que mulheres recebem remuneração inferior à dos homens neste novo relatório. No Brasil, é sabido que, para cada R$ 100 recebido por um homem, as mulheres recebem em média R$80.

Entretanto dar publicidade à diferença existente em cada empresa representa um passo além, já que transparência e a responsabilização são dois importantes catalisadores de transformação.

Com isso, o governo fornece insumos para o debate —e para que indivíduos e organizações tomem medidas efetivas para eliminar as desigualdades que ainda se observam nos ambientes de trabalho.

A transparência aumenta o poder de barganha das mulheres nas negociações salariais e compromete a imagem pública das empresas, induzindo mudanças.

Com o relatório, o Brasil passa a se alinhar às melhores práticas internacionais, a exemplo do que se faz no Reino Unido e na Austrália.

Mas a lei também dá ao governo um enorme protagonismo para determinar o que constitui desigualdade salarial, para impor sanções com base nesse diagnóstico e para estabelecer que membros de sindicatos participem da elaboração dos planos de ação das empresas. Neste aspecto, a lei é um retrocesso.

A visão de que cabe ao Estado determinar e punir a disparidade de remunerações parte de um entendimento de que o diferencial é puramente discriminatório, ou resultado de uma ação deliberada das empresas, e que a interferência governamental é a melhor forma de resolver o problema.

Não é. A desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho é um fenômeno muito mais complexo, afetado por decisões tomadas ao longo de uma vida —das profissões escolhidas até as jornadas de trabalho— e que respondem fortemente às normas sociais e culturais em vigor, como na divisão de tarefas domésticas.

A discriminação existe. Comprová-la, porém, é extremamente difícil, como se demonstra nos trabalhos de Claudia Goldin, vencedora do prêmio Nobel.

Estabelecer que o Estado seja o fiel da balança na questão amplia os custos trabalhistas e compromete reajustes salariais por produtividade e desempenho.

Melhor do que tentar punir algo que não se poderá provar seria avançar em pautas que promovem mudanças em normas sociais e culturais, a exemplo da regulamentação da licença-paternidade e da maior oferta de creches.

editoriais@grupofolha.com.br

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