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Aldo Fornazieri

Lula acerta ao vetar atos em memória dos 60 anos do golpe? SIM

Ações de repúdio cabem a movimentos sociais e partidos políticos, não ao governo

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Aldo Fornazieri

Cientista político, é professor da Escola de Sociologia e Política e autor de “Liderança e Poder” (ed. Contracorrente)

O presidente Lula acertou ao vetar eventos de repúdio ou de apoio aos 60 anos do golpe militar no âmbito do governo federal. Um presidente da República deve se conduzir no mais alto grau pela ética da responsabilidade. Como o mais importante magistrado, ele preside todo o povo. Deve ser o ponto de convergência da unidade nacional e agir para que ela se efetue ao máximo possível, dados os conflitos diversos inerentes à sociedade.

O jogo das aparências é um elemento constitutivo da política. Mesmo sabendo que tem adversários e inimigos, o presidente deve guiar-se pela máxima de que "o príncipe guerreiro e incrédulo deve proclamar incessantemente a paz e a fé". É isto que está fazendo Lula.

O presidente Lula participa da cerimônia do Dia do Exército ao lado do comandante Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva
O presidente Lula participa da cerimônia do Dia do Exército ao lado de chefes militares - Ricardo Stuckert /PR/Divulgação

Outro ponto a ser considerado é a conjuntura. O país ainda está enredado com a fracassada tentativa de golpe e com o alto grau de polarização política. Do ponto de vista do governo, a responsabilidade impõe duas tarefas: 1 - deslocar grupos polarizados para um campo despolarizado (aqui entram militares, evangélicos etc.); e 2 - fechar as portas para o pronunciamento político da caserna, orientando-a para as missões profissionais e constitucionais.

No ponto 1, o objetivo é enfraquecer os inimigos e agregar força, seja por adesão ou neutralização. Na tarefa 2, o objetivo é colocar um ponto final na intervenção militar na política, seja pela via de uma nova doutrina, seja pela vedação legal e punição exemplar, pelo Judiciário, dos envolvidos na tentativa de golpe.

Curiosamente, quando o atual ministro da Defesa e o comandante do Exército propuseram uma lei que vedasse o envolvimento eleitoral e partidário de militares da ativa e de sua participação em ministérios, setores do PT, a exemplo do senador Jaques Wagner (BA), sugeriram não levar adiante o último ponto. Os parlamentes de esquerda, depois da redemocratização, não se preocuparam em fechar legalmente as portas da participação dos militares na vida política e partidária.

A decisão de Lula de vetar atos no âmbito do governo não tem o sentido de compor com os militares nem de cooptá-los, mas sim de poder comandá-los segundo a Constituição e de imprimir uma nova orientação profissional e modernizadora a sua formação. Não conseguirá fazer isso se estimular divisões.

A tarefa de promover debates e atos de repúdio ao golpe é da sociedade civil, dos movimentos sociais e dos partidos políticos. Aos que criticam a decisão do presidente, a impressão que fica é que as esquerdas querem terceirizar os protestos contra o golpe para o governo. Dizer que a decisão esvazia os atos contra os 60 anos do levante militar é um atestado de fraqueza e de imobilismo dos partidos. É o mesmo que fazem em relação à democracia e ao combate ao golpismo bolsonarista: terceirizaram essa tarefa ao Supremo Tribunal Federal.

As esquerdas perderam a capacidade de mobilizar e de sustentar atividade política forte no enfrentamento da extrema direita. Confundem o papel do governo federal com os dos partidos políticos.

O que Lula e os integrantes do governo podem e devem fazer neste momento de embates é reforçar o discurso em defesa da democracia e dos benefícios que ela pode suscitar para a sociedade, para a justiça social e para a liberdade.

A disputa política não ocorre apenas pelo confronto de negações excludentes, que é mais apropriada aos partidos. Ocorre também pela construção positiva de direção e sentido, mais própria dos governos.

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