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Júlia Barbon

O multiverso das mulheres argentinas

Viver em Buenos Aires às vezes lembra comédia francesa onde elas é quem dominam o mundo

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Júlia Barbon
Júlia Barbon

É correspondente da Folha para a América Latina, com base em Buenos Aires

Buenos Aires

Viver em Buenos Aires às vezes é como viver naqueles filmes de realidade alternativa. Não me refiro à distopia na qual os próprios argentinos pensariam: um mundo com crises econômicas e políticas tão frequentes como as nossas chuvas de verão.

Mas sim a uma daquelas comédias francesas no estilo "Eu Não Sou um Homem Fácil", sucesso da Netflix em que está tudo invertido e as mulheres é quem dominam o mundo (se não viu, veja, de preferência com um homem ao lado).

Argentinas fazem ato nos 100 anos de nascimento da ex-primeira-dama Eva Perón, que impulsionou a participação de mulheres na política desde a década de 1940 - Martín Zabala - 6.mai.2019/Xinhua

Você pede um Uber e não raro se depara com uma motorista. Aluga um apartamento e quem está trocando a lâmpada do hall é a zeladora. Entra no Congresso Nacional e quase metade do plenário está tomado por terninhos coloridos. Vai a um banco e quem guarda a porta é uma segurança —de minissaia!

Pode ser só uma visão distorcida por uma viagem recente de volta ao Brasil, que apesar de curta me fez lembrar do assédio nosso de cada dia. Mas os números não me deixam mentir.

Um movimento feminista histórico, campanhas contra o assédio e leis como a que exigiu cotas para candidatas ainda em 1991 levam o país vizinho ao 36º lugar em igualdade de gênero no ranking do Fórum Econômico Mundial. Nós subimos 37 posições em apenas um ano, mas ainda estamos no 57º.

Na cena-inspiração de ontem, uma mulher montada na bike de shortinho colado e barriga de fora na casa dos 40 anos bate papo com outra na casa dos 60: "Isso é o machismo puro", diz ela, sobre alguma história que meus ouvidos não alcançam, enquanto a senhora assente efusiva com a cabeça.

Essa é a conversa no meio de uma esquina, no meio da cidade, no meio de uma terça-feira. Quando vê, você já se habituou a andar de pernas de fora sem receber sequer um olhar. De repente, está entrando numa clínica de aborto garantido pela Constituição.

Opa, não, pera... Essa é a França.

Deste lado do Atlântico ainda tem um grupo de deputados e deputadas que insiste em querer prender a mulher que interrompe a própria gravidez e governos que gastam caneta para proibir linguagem de gênero a uma semana do Dia da Mulher.

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