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Nagashi Furukawa

Saidinhas de presos podem ser individualizadas

Diluição das datas reduziria massa de sentenciados nas ruas e evitaria sensação psicológica negativa na população

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Nagashi Furukawa

Juiz de direito aposentado, é ex-secretário da Administração Penitenciária do estado de São Paulo

A aprovação no Senado Federal do projeto de lei 2.253/22, que restringe as saídas temporárias de presos condenados e volta a exigir o exame criminológico, causa muita preocupação.

A eliminação das chamadas "saidinhas" representa retrocesso diante de um dos principais objetivos da aplicação da pena privativa da liberdade, que é a ressocialização. Para aferição da autodisciplina e responsabilidade do sentenciado, um dos principais instrumentos é a saidinha. Aquele que consegue sair do presídio cinco vezes ao ano e retorna espontaneamente demonstra de forma clara que pode progredir para o regime aberto, porque está definitivamente preparado para o convívio social.

Porém, o que levou o Senado a eliminar essas saídas parece ser o fato de que centenas, milhares de sentenciados são beneficiados em cinco datas tradicionais do ano: Natal, Dia dos Pais, Dia das Mães, Finados e Páscoa.

Pátio para banho de sol do presídio federal no Complexo da Papuda, no Distrito Federal - Pedro Ladeira - 20.dez.2017/Folhapress - Folhapress - Folhapress

Essa forma de conceder o benefício, não prevista na lei, é equivocada, porque contraria o princípio da individualização da execução e gera indiscutível receio psicológico na população. Afinal, saber que milhares de pessoas condenadas saem dos presídios juntas e ficam convivendo com a população na passagem do ano, por exemplo, é uma sensação que para muitos é negativa.

Esse inconveniente pode ser facilmente resolvido: basta que o juiz da execução só conceda a saída com observação das datas significativas para o sentenciado, como por exemplo seu aniversário, aniversário dos filhos, dos pais ou do cônjuge.

Com essa medida, em vez de milhares de presos saindo de uma só vez, poucos sairão em determinado período, o que não gera sensação psicológica negativa para a população. Tampouco a mídia terá condições de explorar as saídas com manchetes sensacionalistas. A finalidade do instituto será integralmente mantida e elimina-se o motivo gerador da preocupação para a sociedade.

De outro lado, a volta da exigência do exame criminológico para as progressões de regime é outro retrocesso.

Como se sabe, a eliminação da exigência do exame ocorreu pela lei 10.792/2003. A mudança foi sugerida pelo então governador paulista, Geraldo Alckmin, e contou com o apoio do ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos.

A matéria, depois de aprovada na Câmara dos Deputados, foi longamente debatida na Subcomissão de Segurança Pública do Senado Federal (senadores Tasso Jereissati, Pedro Simon, César Borges, Garibaldi Alves, Demóstenes Torres, Serys Slhessarenko e Magno Malta). Aprovada na subcomissão, o projeto foi acolhido pelo plenário do Senado.

De lá até hoje, mais de 20 anos, o exame criminológico não vem sendo mais exigido, a não ser em alguns casos específicos. Nenhum prejuízo se notou na segurança pública. Ao contrário: um exame burocrático sem utilidade foi eliminado e trouxe muitos benefícios para os presídios e para os sentenciados. Estes deixaram de ficar esperando por semanas ou meses a realização do exame para a progressão de regime. Os estabelecimentos penais passaram a empregar os profissionais psicólogos, psiquiatras e assistentes sociais nas finalidades específicas da individualização da pena e não na suposta constatação da ressocialização do sentenciado.

Sobre a eliminação do exame, que agora está em vias de ser ressuscitado, o Tribunal de Justiça de São Paulo fez oportuna observação: "A LEP [Lei de Execução Penal] sempre exigiu prova de méritos e de tempo de pena cumprida. Continua a exigir isso, tendo alterado apenas a forma de provar o mérito subjetivo. Era antes demonstrado através de laudos médicos superficiais, apressados e pouco dignos de crédito. É agora comprovado através de atestado de boa conduta carcerária que, pelo menos, tem relação direta com a disciplina carcerária. Para mim o novo sistema é muito mais confiável, pois se embasa na realidade da vida na penitenciária e não em laudos onde, após ver o detento por alguns minutos (quando viam), os integrantes da Comissão se arvoravam em oráculos e pitonisas para dizer quem tinha e quem não tinha probabilidade de reincidir. Tal sistema era ridículo, pois a possibilidade de praticar crimes existe para toda e qualquer pessoa e não apenas para egressos de prisões, como, aliás, demonstram os crimes praticados a toda hora por advogados, médicos, engenheiros, promotores, juízes e desembargadores. Tais laudos não tinham seriedade nem compromisso com a realidade, simplesmente porque ainda não existe a possibilidade de se saber o futuro" (desembargador Ivan Marques - AEP nº 009178.3/2, 3 de agosto de 2006).

Agora, com o PL aprovado pelo Senado, pretende-se ressuscitar esse exame, retrógrado e ridículo, o que certamente a Câmara dos Deputados não permitirá.

É o que se espera.

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