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Guilherme Cezar Coelho

Onde encontrar R$ 50 bilhões

Com tanta isenção fiscal, somos máquina de transferência de renda para os mais ricos

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Guilherme Cezar Coelho

Diretor de cinema, economista (Universidade Stanford) e fundador da República.org

Duas notícias recentes nos inquietam sobre as contas públicas. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que precisaremos de R$ 50 bilhões para cumprir a meta de zerar o déficit no ano que vem. Ao mesmo tempo, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a PEC do Quinquênio, aumentando o gasto e a desigualdade no serviço público.

Uma notícia não cabe na outra. E, enquanto isso, o dólar se assanha.

Somando insulto à injúria, além de juízes e promotores, estão agora incluídos na PEC do Quinquênio ministros do TCU (Tribunal de Contas da União) e conselheiros dos TCEs (tribunais de contas dos estados), além de outras carreiras —gente que, na verdade, deveria ser guardiã da qualidade e solvência do Estado brasileiro. Se essa PEC já era ruim, agora é imoral e deve ser abandonada.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participa de evento em Washington - Foto: Diogo Zacarias/MF

Precisamos, sem dúvida, de reposição salarial para o funcionalismo. Algumas carreiras acumulam perdas de 33% desde 2017. No entanto, quinquênios e supersalários não são a maneira de fazê-lo. Não devemos criar mais privilégios, mas redesenhar carreiras e incentivos para que o Estado brasileiro seja mais efetivo, responsivo e respeitado.

Quanto ao regime fiscal, para que fique em pé, é urgente que o ministro Haddad empreenda, junto ao TCU e ao Congresso Nacional, uma revisão e redução gradual das isenções tributárias federais. Aqui está o ajuste fiscal que precisamos.

Estudo da Receita Federal de 2019, revelado em 2022 por esta Folha, apontou que o Brasil poderia e deveria cortar R$ 50 bilhões de gastos tributários anualmente, ano após ano, como forma de reduzir as despesas e aumentar a capacidade de investimento. Exatamente o valor que precisamos para zerar o déficit em 2025. Isso é mais do que um sinal de sorte: é obrigação.

Os gastos tributários brasileiros, que neste ano superam R$ 500 bilhões, são compostos por isenções e incentivos fiscais concedidos com a promessa de serem estímulos para o crescimento econômico. Mas pouco se sabe sobre seus resultados para a sociedade.

Segundo o Portal da Transparência do Governo Federal, só as renúncias fiscais para as empresas brasileiras somam R$ 215 bilhões. É muito dinheiro, sem métrica ou propósito público comprovado.
Essas empresas, por sua vez, geram lucros que são distribuídos como dividendos a seus acionistas. Com tanta isenção fiscal, somos uma máquina de transferência de renda para os muito ricos. E quem paga a conta são os mais pobres, através de impostos de consumo — que hoje são 45% do que é arrecadado no Brasil, frente a 34%, em média, nos países da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Quando aprovou a Reforma Tributária dos impostos de consumo, o Brasil mudou de patamar, se juntando às economias que deram mais certo. Agora precisamos reformar nossos impostos de renda e patrimônio, começando pela tributação de lucros e dividendos.


E fazer isso reduzindo isenções e fechando brechas, para enfim reduzir a alíquota do Imposto de Renda da
Pessoa Jurídica (IRPJ), o que é bom para todo mundo e não apenas para quem tem lobby forte e muitos advogados.

Com tanta isenção fiscal e malabarismo tributário, as grandes empresas brasileiras hoje já não pagam os 34%. A taxa efetiva do IRPJ das grandes empresas atualmente é algo entre 18% (segundo recente estudo de Pires, Marques e Bergamin) e 22% (segundo Orair, Gobetti e Borges). A média nos países da OCDE é de 21% e, no mundo, 23.5%. Este é o caminho.

O Estado brasileiro precisa de uma transformação em sua operação. Mas os cortes de gastos devem ser feitos nos privilégios, tanto do serviço público quanto das isenções fiscais.

É essencial lembrar que 79% da população está inteiramente nas mãos no SUS, e 83% do ensino fundamental acontece em escolas públicas. Só existe vida boa com um Estado competente —e solvente.

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