Descrição de chapéu
Cristiano Vilardo

Lula precisa descer do muro da política climática

Sanha por mais petróleo parece ignorar emergência em curso no planeta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Cristiano Vilardo

Doutor em planejamento energético (Coppe/UFRJ), é analista ambiental do Ibama

Apesar de imerso na tragédia que atingiu o Sul do país, o governo brasileiro alimenta uma ambiguidade torturante no que diz respeito à política climática. Bicampeão mundial de conciliação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva parece querer agradar tanto aos que defendem a urgência da transição energética quanto ao establishment fóssil que usa seu repertório de "greenwashing" para manter todos pendurados no vício petrolífero que ameaça a vida no planeta. A conta não vai fechar.

O IPCC (painel do clima da ONU) aponta que, para limitarmos o aquecimento do planeta a 1,5°C, é preciso chegar à neutralidade de carbono em 2050. Ou seja, na metade do século teremos que emitir somente os gases de efeito estufa que conseguirmos retirar da atmosfera na mesma medida. Só que, para isso, o consumo global de petróleo terá que cair significativamente —e rápido. Estudos estimam que até 58% das reservas já descobertas precisarão ficar no subsolo para que possamos nos manter na trajetória do cenário de 1,5°C. E a Agência Internacional de Energia (IEA) calculou que nenhum novo projeto petrolífero deveria ter sido aprovado a partir de 2021.

O presidente Lula ao anunciar medidas de apoio ao Rio Grande do Sul, no Palácio do Planalto, em Brasília - Evaristo Sá/AFP - AFP

A ambiguidade do governo contribui para o florescimento de narrativas e meias verdades. Uma delas dá conta de que ou o Brasil explora petróleo na Foz do Amazonas ou passará a importador já na próxima década. Dados oficiais parecem discordar dessa tese: as previsões indicam que chegaremos a 2030 com uma produção de 5,3 milhões de barris/dia e um consumo doméstico de 2,45 milhões —um excedente de 2,86 milhões de barris/dia, considerando apenas jazidas já descobertas e nenhuma gota da margem equatorial.

Outra meia verdade é que o petróleo ainda será produzido por décadas, e devemos seguir explorando para repor essas reservas. Essa afirmativa esconde que os cenários compatíveis com o aumento máximo de 1,5°C envolvem uma redução significativa da demanda por petróleo no mundo. Precisaremos de petróleo ainda em 2050, é evidente, mas a estimativa da IEA é que a demanda global passaria de 97 para 24 milhões de barris/dia entre 2022 e 2050 —ou seja, cairia para apenas 25% da demanda atual.

Naturalmente, os cenários net zero não envolvem um apocalipse energético, mas a substituição do petróleo por outras formas de energias limpas e renováveis.

Por aqui, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) age como se não houvesse uma emergência climática em curso —mantém 577 blocos exploratórios em oferta permanente e não dá sinais de restrição do fomento da atividade no curto prazo. A ANP responde ao Ministério de Minas e Energia (MME), que, por sua vez, também não demonstra sensibilidade ao tema.

As declarações do ministro Alexandre Silveira sobre como devemos explorar petróleo "até alcançar IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) à altura do que atingiram os países industrializados" dão uma boa indicação do que pensa a pasta sobre a emergência climática. Curiosamente, o ministro não soube explicar por que o IDH do país não decolou mesmo com o Brasil crescendo a produção nacional de 2 para 3,6 milhões de barris de óleo ao dia após a exploração do pré-sal.

De onde vejo o problema, não há margem para titubear. Ou agimos com base nas evidências da ciência do clima ou vestimos a camisa do negacionismo irresponsável que nos empurra até a beira do abismo.
Do ponto de vista legal, tampouco é uma opção permanecer sobre o muro. O Acordo de Paris foi assinado pelo Brasil e incorporado à legislação nacional pelo decreto 9.073/2017. Ou seja, os compromissos assumidos na França têm caráter vinculante no Brasil e descumpri-los é, literalmente, contra a lei.

Em meio à reconstrução no Rio Grande do Sul e com a aproximação da COP30, o governo Lula se coloca em uma situação insustentável do ponto de vista do discurso climático. Se o compromisso com a transição energética é real, está na hora de transformá-lo em ações e políticas de Estado, incluindo sinais claros para a redução da produção de petróleo no médio prazo.

Desça do muro, Luiz Inácio. Quanto antes, melhor.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.