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Rogério Correia

Um aparte, deputado?

Paulo Pimenta reúne todas as credenciais para cumprir a tarefa no Rio Grande do Sul

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Rogério Correia

Deputado federal (PT-MG), é vice-líder do governo Lula

O deputado Aécio Neves (PSDB-MG) ocupa longo espaço na seção Tendências/Debates, desta Folha ("O país do PT versus a pátria dos brasileiros", 20/5). No artigo, ele critica Lula por nomear um "militante do PT" para atuar no Rio Grande do Sul neste contexto da tragédia socioambiental que agride a população gaúcha e atrai a solidariedade do restante do país.

Oras, uma das principais armas do fascismo contemporâneo é exatamente esta: tentar despartidarizar a democracia e despolitizar a política. Ser militante é algo ruim, diz o tucano (como se ele não fosse um). Ter vínculos partidários, idem. Como se ele não fosse do PSDB. É isso que permeia todo o seu texto. Lula, que é do PT, não poderia colocar um ministro petista numa tarefa de articulação institucional em seu próprio estado de origem. O neofascismo e o bolsonarismo agradecem essa "ajuda" do tucano das Gerais.

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O presidente Lula e o ministro Paulo Pimenta durante evento no Palácio do Planalto - Gabriela Biló - 8. abr.2024/Folhapress - Folhapress - Folhapress

Paulo Pimenta, gaúcho, deputado federal, ministro e filiado ao PT reúne todas as credenciais para cumprir a tarefa que lhe foi atribuída por Lula, com isenção, com senso de união, com compromisso republicano. Mas, não é isso que o subtexto de Aécio Neves quer, de fato, debater. Suas opiniões ali redigidas são tão somente uma cortina de fumaça. Apenas isso: um escrito diversionista. Vamos ao que ele quer evitar: que boie nas águas da política brasileira a verdade sobre as raízes da tragédia social contemporânea nas terras gaúchas. Se as tempestades não são evitáveis, suas consequências poderiam ter sido minimizadas.

Em primeiro lugar, por posturas não negacionistas. Sim, Aécio quer desviar as críticas ao governador tucano Eduardo Leite, que, de braços dados com negacionismo, assume que desconsiderou todos os alertas sobre o que estaria por vir.

Em segundo, ele quer evitar um balanço de mais de 20 anos de "minimização" do estado gaúcho. Desde Yeda Crusius, passando por José Ivo Sartori e chegando a Eduardo Leite, venceu a tese da privataria no serviço público. Mesmo com a resistência dos ex-governadores Olívio Dutra e Tarso Genro, ambos do PT.

O Rio Grande do Sul tinha 16 estatais que eram responsáveis por 58% do investimento público estadual. Hoje restam 7, que correspondem apenas a 30% desse investimento público no estado. E a privataria, nem de longe, substituiu tais investimentos. Sim, as torrenciais chuvas eram inevitáveis, mas o desinvestimento estatal nas estruturas de prevenção a eventos climáticos trágicos agravou a coisa. E hoje o governo do estado tem que contratar até mesmo consultorias externas (caça-níqueis), porque a Fundação de Economia e Estatística (FEE), instituição pública gaúcha, foi sucateada pela sanha liberal.

Em terceiro, por consequência, encontramos um estado calamitoso nos sistemas antienchentes na região metropolitana de Porto Alegre: apenas 4 das 23 bombas de drenagem da capital funcionavam; vários motores que fechariam as comportas (diques) tinham sido furtados, exigindo que seu fechamento fosse feito por escavadeiras, com muito atraso, lentidão e incompletude; as "frestas" entre essas comportas chegavam a 10 centímetros; uma dessas comportas não resistiu e foi rompida pelas águas como uma folha de papel —e por aí vai. A pergunta que nunca vai se calar é: mesmo diante das cheias de setembro e novembro de 2023, por que todo esse sistema não foi checado?

Em quarto lugar, é preciso que levantemos qual foi o comportamento do governo estadual e das prefeituras gaúchas, incluindo aí as respectivas Câmaras Municipais, nas revisões dos Planos Plurianuais e da discussão das Leis Orçamentárias, tendo em vista as chuvas de 2023. Qual foi a prioridade dada ao reforço dos sistemas antienchentes (projetos de redimensionamento de diques, obras em geral, manutenção de bombas e motores, desassoreamento)? Quanto foi alocado nos sistemas de Defesa Civil do estado e dos municípios? Um governo estadual que abraçou a tese de que não há aquecimento global só podia deixar a população gaúcha na chuva. Que o governador tucano explique o porquê de, na LDO de 2023, destinar apenas 0,009% para sua Defesa Civil.

Teríamos aqui muito mais exemplos. Mas concluímos com apenas um, por enquanto: Eduardo Leite nomeou como "secretário da Reconstrução" (com atraso e como mera resposta a Lula) Pedro Capeluppi, ex-secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados da gestão Paulo Guedes no Ministério da Economia. Ou seja, um privatista para cuidar de uma reconstrução que exige mais Estado!

Ah, um detalhe, deputado Aécio; esse rapaz é mineiro de Ituiutaba, estudou em Brasília e deve ter conhecido Porto Alegre somente há alguns anos. Diga a ele para colar no ministro Pimenta. Vai aprender muito sobre o Rio Grande do Sul.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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