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Ciro Nogueira

A lua de mel com o governo Lula precisa acabar

É chegada a hora de mais vigilância e escrutínio, inerentes às democracias

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Ciro Nogueira

Senador da República (PP-PI), é ex-ministro da Casa Civil (governo Bolsonaro) e líder da minoria no Senado

A polarização política extrema, a divisão do país e toda a contestação ao ex-presidente Jair Bolsonaro permitiram ao governo Lula obter a maior lua de mel política de qualquer governante na história recente.

Em nome da pacificação do país, setores relevantes da economia e da mídia ofereceram ao governo um ano e meio de salvo-conduto, quase nenhuma crítica, pouquíssimos e raríssimos questionamentos. Essa coalizão, todavia, precisa acabar: para o bem do governo e, sobretudo, para o bem do Brasil.

E falo aqui com as credenciais, muitas vezes questionadas, quando não atacadas, de um representante da oposição que apoiou inúmeras vezes as agendas do governo e nunca deixará de apoiar quando forem as melhores para o país. Portanto, estou despido de qualquer rótulo que me associe a ódios ou intransigências.

O presidente Luiz Inacio Lula da Silva (PT) em cerimônia de divulgação dos resultados do novo PAC Seleções - Gabriela Biló/Folhapress - Gabriela Biló/Folhapress

Defendo uma oposição ao governo, não ao país. Uma oposição responsável. Até porque não poderia ser outra a minha posição depois de ter conhecido por dentro as dificuldades de governar como chefe da Casa Civil do ex-presidente Bolsonaro.

Escrevo este artigo não com o propósito de que os setores que toleraram ao extremo o governo Lula até agora façam uma guinada e passem a perseguir o presidente ou a dispensar à gestão a mesma contundência implacável que o ex-presidente Bolsonaro teve de enfrentar durante o seu mandato.

A questão é outra. Esse excesso de benevolência não tem ajudado o governo a acertar. Ao contrário: tem criado uma falsa e perniciosa sensação de onipotência que vem levando-o a cometer erros na condução de inúmeras ações, relaxado que está por não temer questionamentos. E isso, a meu ver, tem resultado em uma gestão menos produtiva e eficiente do que poderia ser.

Brigar com Israel frontalmente; defender a invasão da Ucrânia e se postar contra a Otan; manter uma relação gelada com os Estados Unidos; sussurrar em relação aos abusos antidemocráticos de Maduro na Venezuela; enviar bombas ao Congresso que aumentam despesas como regra e não como exceção; enviar outras bombas que aumentam impostos porque os gastos estão fora de controle; criar insegurança jurídica com a edição de medidas provisórias extemporâneas; nomear um candidato como resposta à tragédia do Rio Grande do Sul

Essas são apenas algumas das várias decisões tomadas pelo governo Lula que foram sendo aceitas como o "novo normal", quando na verdade poderiam e deveriam ter sido objeto de forte questionamento —não só da oposição, mas da sociedade como um todo. Sem contar as inúmeras declarações presidenciais que se distanciaram em muito do razoável e simplesmente foram admitidas e não contestadas.

Tudo isso, passado um ano e meio, criou um ambiente no núcleo do poder que parece ser do exercício inimputável do comando do país. Que tenha havido uma trégua alargada e generosa ao presidente e a seu governo por quaisquer critérios, o que a realidade vem demonstrando, na prática, é que é chegada a hora em que haja mais vigilância e escrutínio, como é normal na democracia.

Não quero nem proponho uma campanha sistemática de desestabilização do governo Lula. Mas, por outro lado, o excesso de receio em exercer o legítimo e democrático papel de questionamento e debate público sobre o governo também é uma forma de ajudar os governantes.

Anestesiar as críticas de erros reais pode até ser um gesto de boa vontade e um exercício sincero de colaborar para evitar turbulências. Mas o excesso de aplausos e de silêncio, está demonstrado, provoca cada vez mais falta de referenciais e cada vez menos senso de direção ao governo. É por isso que, com respeito, não para destruir e sim para colaborar agora de outra forma, a lua de mel precisa terminar.

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