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Roberto Quiroga e Adriano Rodrigues de Moura

Quem vai pagar a conta?

Rejeição à MP do PIS/Cofins pode sobrar para o bolso do contribuinte

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Roberto Quiroga

Advogado tributarista e professor de direito tributário da USP, é sócio-diretor do escritório Mattos Filho

Adriano Rodrigues de Moura

Sócio do escritório Mattos Filho

O Congresso Nacional derrubou, recentemente, o veto à sanção do presidente Lula que acabava com a desoneração da folha de salários de algumas categorias econômicas. O Ministério da Fazenda, durante o debate no Legislativo, procurou demonstrar, corretamente, que não tinha sentido manter esse benefício por mais tempo, na medida em que privilegiava um grupo pequeno de empresas em detrimento de uma perda arrecadatória importante.

O Legislativo não se sensibilizou com os argumentos fazendários e disse não à pretensão do Executivo. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, em decisão do ministro Cristiano Zanin, manifestou-se no sentido de que, para a desoneração da folha se manter, seria necessário nova fonte de receita para se contrapor à perda arrecadatória. A reação do Executivo foi imediata: publicou a medida provisória 1.227/24, que restringiu o uso de créditos tributários do PIS/Cofins em compensações com outros tributos. Por fim, o Congresso não aceitou a MP e a devolveu para o governo, fazendo com que ela perdesse seus efeitos.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrevista coletiva sobre a desoneração da folha de pagamentos - Pedro Ladeira - 8.abr.24/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress

O problema é que, com a edição dessa MP, o Ministério da Fazenda acabaria impactando outras categorias econômicas de forma muito mais ampla, como o agronegócio, exportadores e todos os demais contribuintes que têm créditos de PIS/Cofins e não iriam poder compensá-los com eventuais débitos existentes.

Ora, é razoável imaginar que, se uma empresa tem créditos para com o fisco, ela possa abatê-los de eventuais débitos —é medida de justiça tributária. A restrição da MP foi de encontro com aquilo que parece equitativo. O caso dos exportadores bem ilustra essas distorções. Pelo fato de as vendas ao exterior serem desoneradas de PIS/Cofins, esses contribuintes, naturalmente, acumulam grande volume de créditos das contribuições relativas às aquisições de insumos, matérias-primas etc. Com a restrição que estava prevista pela MP à vazão desse crédito via compensação com outros tributos, a consequência, inevitavelmente, seria o acúmulo quase que invencível desses créditos. Não conseguindo eliminar esse resíduo tributário da cadeia econômica, seria aumentado o custo para a produção nacional, diminuindo sua competitividade no mercado externo.

Diante da resistência do Congresso e dos setores econômicos afetados, a Fazenda sinalizou não possuir "plano B" para a compensação da desoneração e deixou claro o papel crucial do Legislativo em construir uma saída para o problema que decorreu diretamente de sua soberana escolha pela manutenção da desoneração da folha de salários. A deliberação do Parlamento sobre a conveniência de determinada política fiscal é absolutamente legítima, assim como também o é a expectativa de que ele, o Parlamento, aponte os meios adequados para que esse regime seja sustentável.

Nesse "jogo de empurra" para saber quem vai pagar a conta, a situação do Congresso é complicada. Ao quebrar o veto do presidente, atendeu aos pedidos de algumas categorias econômicas. Agora, vai ter que negociar com categorias muito mais organizadas e com forte poder político. A MP era tão impactante que inviabilizaria muitos planejamentos estratégicos de crescimento de áreas que vêm colaborando com o aumento do PIB brasileiro, como é o caso do agronegócio. Talvez tivesse sido melhor acabar com a desoneração da folha, que deveria ser uma medida temporária. Mas, como sabemos, no Brasil, tudo que é temporário vira definitivo.

O horizonte do Poder Executivo não parece ser menos nublado. Enfrentando uma resistência consolidada da sociedade e do Congresso para tentativas de aumento da arrecadação, o Ministério da Fazenda provavelmente terá de voltar seus olhos para a ponta oposta, ou seja, de redução dos gastos públicos.

Com um Orçamento público quase que totalmente vinculado a finalidades expressas na lei e até na Constituição, essa não parece ser das tarefas mais fáceis.

Uma expressão de linguagem popular resume bem essa história: o cobertor é curto. Cobre-se a cabeça, os pés ficam de fora, e vice-versa. Vamos ver como o Congresso vai sair dessa, mas é previsível que, como sempre, os contribuintes continuarão a pagar essa conta.

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