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Felipe Buchbinder

A impotência do potencial

Brasil pode ajudar desenhar a fronteira do futuro, mas tarefa é árdua e urgente

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Felipe Buchbinder

Doutor em administração, é professor da Fundação Getulio Vargas (FGV); mestre em inteligência artificial e ciência de dados (Universidade Duke, EUA)

A energia renovável não será suficiente para suprir a demanda por eletricidade da inteligência artificial, dos centros de dados e das criptomoedas. Essa é a conclusão do relatório Energy 2024, da Agência Internacional de Energia (IEA), que acrescenta: até 2026, o consumo de eletricidade dessas tecnologias será comparável ao do Japão.

A incapacidade das tecnologias renováveis de sustentarem essa crescente demanda energética põe em xeque iniciativas de transição energética e de mitigação das mudanças climáticas. Isso é ruim para o mundo, mas pode ser bom para o Brasil. Com 84% de sua matriz elétrica renovável, comparado com uma média mundial de apenas 38%, o Brasil tem forte potencial para atrair empresas de IA, centros de dados e criptomoedas, sob o argumento de que é aqui que os impactos climáticos dessas tecnologias serão os menores possíveis.

Usina Fotovoltaica Flutuante (UFF) na represa Billings, em São Paulo; planta flutuante de energia solar conta com 10,5 mil painéis fotovoltaicos - Jorge Silva - 5.abr.24/Reuters - Jorge Silva/REUTERS

A lógica é que, se essas tecnologias demandarão muita eletricidade, então que fiquem no Brasil, onde conseguem obtê-la de forma limpa. Portanto, nosso país tem grande potencial para se inserir entre as nações que, de alguma forma, desenham a fronteira do futuro. Só há um pequeno detalhe: potencial não significa nada.

A China descobre a pólvora, mas são os países ibéricos que conquistam o mundo. Portugal e Espanha têm o ouro, mas a Revolução Industrial acontece na Inglaterra. O Japão não produz ferro nem a Suíça planta café, mas são os segundos maiores exportadores de carros e de café.

Pouco importa, portanto, que o Brasil tenha potencial para atrair as indústrias de inteligência artificial, centros de dados e criptomoedas. O que importa é como o Brasil vai transformar esse potencial em realidade. Como fazer isso?

A resposta é simples, mas dolorosa: é preciso superar nossas deficiências históricas, que tantas vezes já acreditamos haver ferido de morte com a poderosa espada de nossa política pública, apenas para vê-las se reerguerem e, zumbis, abrirem os braços para nós. É preciso conferir celeridade e previsibilidade aos processos judiciais e cartoriais e assegurar a disponibilidade de mão de obra qualificada e demais insumos. É preciso que se tenha confiabilidade de que os investimentos necessários serão efetivamente realizados e que a energia limpa que prometemos estará, efetivamente, disponível.

Se parece impossível, é porque é quase isso. Mas fato é que países podem sim se desenvolver, como ilustra a história da China, do Japão, dos Tigres Asiáticos, da Suécia e da Irlanda, dentre outros. Se alguma lição se depreende desses países, é que desenvolvimento não é dado: constrói-se. Mas há que se fazer o dever de casa. E com pressa.

Sim, há pressa. Os países desenvolvidos têm investido seriamente em iniciativas de transição energética, de modo que logo teremos concorrência à altura na capacidade de ofertar eletricidade limpa. É triste admitir, mas potencial perece.

O Brasil era ainda uma criança à época da revolução científica, perdeu a Revolução Industrial e, mais recentemente, a revolução da internet. Agora, encontra-se se diante de uma nova oportunidade de se desenvolver. O gigante precisa decidir se acorda e abraça a oportunidade ou se continua deitado eternamente em berço esplêndido, sonhando em um dia ser desenvolvido.

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