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Eduardo Oinegue

Por que a Suprema Corte americana presta contas e o nosso Supremo não?

Nos EUA, lei obriga juízes a divulgar anualmente todas as suas rendas extras

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Eduardo Oinegue

Jornalista, é âncora do Jornal da Band e da Bandnews FM e colunista da Bandnews TV

Quer deixar um juiz da Suprema Corte americana irritado? Diga que chegou a hora de preencher o "Relatório de Divulgação Financeira", um compromisso anual, profundamente chato, mas inescapável.

Trata-se de um documento parecido com o nosso Imposto de Renda, mas que uma vez preenchido não vai para o IRS, a Receita Federal deles. A papelada é encaminhada a um comitê que analisa o material e depois joga tudo na internet para consulta pública.

E por que esse relatório irrita os juízes da Suprema Corte —eles e todos os integrantes da magistratura americana que o preenchem? Porque está ali contida —ou pelo menos deveria estar— a informação detalhada sobre quanto dinheiro ou benefício cada um recebeu, além do salário oficial, que já é informação de domínio público. O juiz fechou contrato para escrever um livro e recebeu antecipação de direitos autorais? Tem que colocar no relatório tanto o valor recebido quanto o nome da editora que o contratou.

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Fachada da sede do STF (Supremo Tribunal Federal), em Brasília - Gabriela Biló - 3.mai.2022/Folhapress - Folhapress

Sua excelência deu uma palestra com cachê? Tudo bem, a lei americana permite, mas é preciso expor no relatório, apontando a data de realização do evento e a instituição responsável pela contratação. De repente o evento não foi remunerado, e o juiz só recebeu passagens, hospedagem e alimentação. Pode deixar de fora do relatório? Não, tem que registrar. Ganhos financeiros também entram, aplicação por aplicação. A lei dispensa a informação sobre o valor exato de cada ativo, mas manda classificar os investimentos de forma individualizada com uma letra, onde "A" significa menos de US$ 1.000 e "O" de US$ 500 mil a US$ 1 milhão. E assim o contribuinte americano tem uma ideia aproximada do rendimento extra auferido pelos juízes anualmente.

É um modelo infalível? Não. Aqui e ali já se identificaram casos de contabilidade criativa, como a do juiz Clarence Thomas, integrante da Suprema Corte há mais de 30 anos, que deixou de fora do relatório viagens nacionais e internacionais presenteadas por um bilionário, e retificou a documentação depois que a denúncia apareceu na imprensa.

Quando foi indicada para a Suprema Corte, em 2009, pelo então presidente Barack Obama, Sonia Sotomayor declarou um patrimônio de US$ 750 mil, que se multiplicou por sete desde então. Parte expressiva do aumento patrimonial, segundo o relatório, vem de direitos autorais. O que o documento não conta é que assessores de seu gabinete foram acusados de procurar instituições de ensino recomendando a compra dos livros da juíza. Pegou mal.

A ideia da identificação da origem dos pagamentos é dar visibilidade aos pagadores, eliminando assim dúvidas sobre possíveis conflitos de interesse. É assim nos Estados Unidos. Mas e no Brasil? Bom, por aqui não há lei obrigando os integrantes do Poder Judiciário a revelar nos canais oficiais ganhos ocasionais com palestras, renda advinda de direitos autorais pela venda de livros ou receita que resulta de investimentos financeiros e eventuais empreendimentos que toquem em paralelo.

A hipótese de divulgar os ganhos extras dos magistrados foi discutida anos atrás, em 2016, no Conselho Nacional de Justiça. Mas acabou enterrada por iniciativa do então presidente do Supremo, que acumulava a presidência do CNJ. O nome dele? Ricardo Lewandowski, atual ministro da Justiça.

Suas palavras na reunião do conselho em favor do sigilo estão registradas: "A preocupação aqui é só resguardar a privacidade, a intimidade e a própria segurança", disse. Lembrando que os ministros do Supremo não estão submetidos às decisões do CNJ nem impedidos de propor mudanças no estatuto do tribunal para adotar uma regra de transparência semelhante à Suprema Corte americana.

Seria hipocrisia questionar a presença de membros da magistratura nacional em eventos ou proibi-los de cobrar por isso. Ainda mais quando todos os que promovem eventos, inclusive veículos de comunicação, lucram de alguma forma com a iniciativa e ganham prestígio com a presença das autoridades. Mas daí a concordar com a ideia de que eventuais recebimentos extras no Judiciário sejam tratados como assunto sigiloso, sugerindo que o poder público deve seguir as regras da iniciativa privada, vai uma grande distância.

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