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O que a Folha pensa forças armadas

Que a quartelada tenha fim no continente

Ensaio tosco de golpe, ainda nebuloso, fracassa na Bolívia; risco de saídas populistas e autoritárias deve ser observado

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Militares cercam a sede do governo boliviano durande tentativa de golpe, em La Paz - Aizar Raldes - 26.jun.24/AFP

A Bolívia passou por um inesperado, inusitado e tosco ensaio de golpe militar na quarta-feira (26). Sem evidente apoio popular nem de setores políticos, o general Juan José Zúñiga, recém-removido do posto de comandante do Exército, reuniu tropas e invadiu o palácio presidencial com um blindado.

A operação canhestra não vingou. O presidente Luis Arce encarou Zúñiga com a ordem para retirar-se e o entregou às autoridades policiais. As tropas leais ao general voltaram aos quartéis e, da aventura castrense, seguiu-se a demissão dos chefes das Forças Armadas.

Ainda são nebulosas as circunstâncias da investida armada contra o Estado de Direito no vizinho sul-americano, que pôs fim à ditadura militar com eleições a partir de 1982. Quarteladas do gênero, que proliferaram no continente durante os anos 1960 e 1970, pareciam erradicadas há décadas.

Em tempos mais recentes, os casos de ruptura democrática se deram com líderes civis se valendo de popularidade circunstancial para minar instituições e cooptar militares —assim foi, por exemplo, com Alberto Fujimori, que governou o Peru de 1990 a 2000, e Nicolás Maduro, agarrado ao poder na Venezuela desde 2013.

Na Bolívia, Evo Morales, parceiro do chavismo de Maduro e padrinho político do atual presidente, governou de 2006 a 2019, favorecido pela escalada dos preços das matérias-primas. Renunciou após obter o quarto mandato em eleição controversa, mas ainda é figura influente na política do país.

Acredita-se agora que o enfrentamento público com o general golpista possa alavancar a popularidade de Arce, combalida pela atividade econômica débil, com escassez de dólares e aumento do desemprego. Seu projeto de reeleição em 2025 depende também da retirada de Morales, com quem está rompido, da disputa.

A elucidação do episódio será essencial para a democracia boliviana. A Procuradoria-Geral do país abriu uma investigação contra Zúñiga, oficial contra o qual pesam denúncias de corrupção e de controle sobre um grupo militar envolvido em operações de contrabando e narcotráfico.

Demitido após críticas a uma eventual candidatura de Morales, o militar deixou o palácio presidencial declarando ter agido sob incentivo do próprio Arce, sem apresentar evidências disso.

No segundo país mais pobre da América do Sul, à frente apenas da devastada Venezuela, a fragilidade das forças políticas e da gestão econômica permanece um fator de instabilidade para a democracia.

Guardadas as proporções, o risco representado por saídas populistas e autoritárias ainda precisa ser observado pelos vizinhos.

editoriais@grupofolha.com.br

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