Etarismo: 'Sou formado e pós-graduado, mas desde 2020 busco emprego'

Leitores da Folha relatam preconceitos sofridos por causa da idade

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Americana (SP)

Portas fechadas para o emprego, invisibilidade, bullying e chacotas. Essas foram algumas das manifestações de discriminação por causa da idade, o chamado etarismo, sofridas por leitores da Folha.

Eles relataram suas experiências depois da ampla repercussão obtida pelo caso em que uma universitária de 46 anos foi ridicularizada, em um vídeo nas redes sociais, por três colegas de turma mais jovens em uma faculdade privada de Bauru (SP). As alunas acabaram abandonando o curso.

Alunas de uma universidade de Bauru debocham de colega de classe por ela ter 40 anos de idade
Reprodução de vídeo em que alunas da Unisagrado, universidade particular de Bauru, discriminam colega por idade; após repercussão, elas desistiram do curso - Reprodução

"Tenho 53 anos, sou bastante saudável, formado e pós-graduado, mas desde 2020 busco emprego", afirmou o gerente de logística Eduardo Junior Trindade, de Belo Horizonte (MG). "É notável a discriminação quando se fala a idade em uma entrevista. Mesmo com enormes conhecimentos nas áreas de logística e liderança."

Sergio Almeida Migowski, 60, relata problema semelhante. "Desde que fiz 50 anos, sequer sou chamado para processos seletivos, apesar da experiência e de ter doutorado, mestrado e duas especializações", afirmou o professor de Novo Hamburgo (RS).

Desde que fiz 50 anos, sequer sou chamado para processos seletivos

Sergio Almeida Migowski, 60

(Novo Hamburgo, RS)

"Durante 10 anos fui chamado de 'velho' na empresa que trabalhei. Quando fui demitido, quis processar a empresa por assédio moral, mas ninguém quis testemunhar com receio de represálias", afirmou Oscar de Oliveira, 62, de São Paulo (SP), que hoje está desempregado.

A exemplo do caso de Bauru, o ambiente acadêmico foi palco para vários casos de discriminação relatados pelos leitores.

"Quando tinha mais de 50 anos fui aprovada em primeiro lugar em concurso para cargo de professor em uma universidade pública federal. Após as primeiras aulas, alunos me procuraram e afirmaram haver acessado meu currículo Lattes, juntamente com professores, porque corria a informação de que alguém 'em fim de carreira' procurava um emprego público para se aposentar", contou Eloisa Helena de Souza, 62, que é professora universitária em São Paulo (SP).

"Já era aposentada na iniciativa privada e pretendia dedicar-me integralmente à pesquisa e à formação de pessoas no novo ambiente."

A estudante Regina Lucia Vasconcelos Barros, 59, de São Paulo (SP) relatou um episódio ocorrido na sala dos professores de uma escola pública, onde ela fazia estágio. "Alguns professores falavam alto e um deles disse que era melhor parar porque tinha 'uma senhorinha' no ambiente."

Considerando o tom pejorativo e sarcástico, reclamou para o diretor, que prometeu uma conversa que nunca ocorreu. "Cheguei à conclusão de que as pessoas não são maduras ou interessadas em lidar com o assunto. Têm medo de quem se manifesta ou de perder vínculos. Preferem varrer para debaixo do tapete ou simplesmente ignorar."

"O jovem professor em questão nunca me cumprimentou, me ignorou até a conclusão do estágio", afirmou.

A relações públicas e coach de autoestima Clarissa Ferraz Freiberger, 45, de Porto Alegre (RS), contou uma experiência traumática ao tentar realizar o sonho de cursar jornalismo aos 41 anos.

"Nas primeiras aulas já senti o preconceito porque ninguém falava comigo e eu sempre ficava sem dupla ou grupo de trabalho. Fazia estágio na própria faculdade, estava muito feliz escrevendo matérias, mas estava sempre ansiosa e nervosa por ser tratada com preconceito pelos colegas. Acabei hospitalizada, por me alimentar mal, tomada pelo nervosismo."

"Um dia, após entregar um trabalho, quatro meninos passaram por mim no corredor debochando, me mandando embora para não voltar mais. Ali desabei a chorar e não conseguia nem voltar para casa de nervosa. Em vez de punirem os adolescentes, abafaram o caso e pediram para eu não frequentar mais as aulas", contou. "Fiquei 5 meses com depressão e com medo de sair de casa porque recebia ofensas pela internet."

Alguns leitores lembraram que a discriminação por idade não afeta apenas os mais velhos e muitas vezes vem acompanhada de um velho conhecido: o machismo.

"Já ouvi de alguns relacionamentos desde os 24 anos que estava ficando 'pra tia', que os caras preferem as novinhas, coisas desse tipo", afirmou Bruna de Souza Lopes, 32, técnica de laboratório em Teresina (PI).

Desde os 24 anos eu ouvia que estava ficando 'pra tia'

Bruna de Souza Lopes, 32

(Teresina, PI)

"Comecei a empreender aos 17 anos, hoje tenho 30. Nas reuniões de fechamento de negócios com grandes corporações do mercado de construção civil, eu era chamado de: jovem aprendiz, estagiário e secretário da minha outra sócia", contou Leandro Andrade, sócio e diretor de empresas de São Paulo (SP).

"Durante um tempo foi divertido, mas, sentindo o peso das responsabilidades de uma empresa e de funcionário nas costas, comecei a achar um saco. Durante um tempo eu tentei de tudo, camisa, sapato, terno, cabelo puxado para trás e nada funcionava. Eu continuava sendo o jovem aprendiz da empresa da qual eu era dono."

Leia a seguir mais relatos de leitores.

"Faço comedia stand-up e vejo que muitos comediantes jovens fazem piadas sobre os mais velhos, avôs e avós, pais: tirando muito sarro da velhice (não escutam, estão gagás, falam besteira, todo tipo de preconceito). Eu sempre penso que se esses jovens tiverem sorte e tudo der certo, eles serão velhos um dia. Acho ofensivo!

O humor atual já não permite piadas gordofóbicas, homofóbicas, machistas, mas etaristas ainda permite, e muito! Só que também digo que tanto o Brasil quanto os EUA escolheram presidentes velhos para governar. A Terceira Idade está no poder!"
Daniela Franco, 53, professora (São Paulo, SP)

"As pessoas fingem que você é invisível em várias situações. Em restaurantes, garçons agem como se você não devesse estar naquele ambiente., Uma vez estava comprando numa feirinha e a pessoa chegou já falando com a vendedora, cortando meu atendimento na maior cara de pau. Outra vez estava aguardando ser atendida num balcão e um homem atras de mim teve a preferência da vez. Eu reclamei, claro."
Marcia Pereira da Silva, 65, aposentada (Rio de Janeiro, RJ)

"Jovens manifestam descrédito de seus conhecimentos para o uso de computadores, smartphones, etc.
Ironizam quando você expressa alguma dúvida como se eles mesmos não tivessem alguma em algum momento. É constrangedor, principalmente se você faz uso de computadores desde 1984.

Médicos e enfermeiros também costumam atribuir todo e qualquer mal-estar ou queixa à idade, muitas vezes sem sequer proceder a exames."
Lucia Abreu, 71, bancária aposentada (São Paulo, SP)

"Em ambientes frequentados predominantemente por mais jovens, a mensagem passada nas atitudes, no estranhamento e na ausência de interação transparece uma certa desconfiança, precaução e reserva com o que o mais velho tem a dizer e contribuir. Não demonstram expectativa ou curiosidade diante de um amplo histórico, bagagem e experiência acumulada, como se fosse algo sem valor diante das novidades."
Márcia Corrêa, 60, arquiteta (Porto Alegre, RS)

"Frequento uma academia há mais de um ano e por algumas vezes houve preconceito pela professora de 22 anos me chamando de velho. Respondi que esperava que ela chegasse à minha idade com a saúde que tenho.

Um aluno de quase 60 anos, isso mesmo, quase 60 anos, sempre que pode comenta da minha idade de modo preconceituoso e pejorativo. Por educação, até hoje preservo essa amizade."
Mauricio Rosado, 66, agente comercial (Sorocaba, SP)

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