Políticos tentam driblar editores da Wikipédia para polir suas imagens

Omissões e edições elogiosas ou difamatórias provocam batalha nos bastidores

Caio Spechoto
São Paulo

Após as condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), houve uma disputa na Wikipédia.

Alguns usuários queriam colocar no verbete do petista na enciclopédia online um quadro igual aos existentes nas páginas de criminosos como Fernandinho Beira-Mar —mas não conseguiram. 

Internautas já tentaram omitir no verbete de Ciro Gomes (PDT) que o primeiro partido do político, o PDS, era herdeiro da ditadura.

 

Em 2016, depois de se tornar candidato a prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB) teve seu verbete engordado com informações sobre sua origem. E também com passagens como “gestor competente e talentoso”.

Desses três casos, em pelo menos um houve atuação de pessoas ligadas ao político.

Hoje, Cael Horta possui a própria agência de comunicação, mas em 2016 trabalhou como colaboradora em uma firma subcontratada pela campanha de Doria, conforme disse à Folha.

A empresa era responsável por monitorar a reação dos editores da Wikipédia, que reverteram a alteração no texto. Nos dias seguintes, Horta fez 20 edições para tentar manter pelo menos parte da versão. A assessoria do prefeito foi procurada, mas preferiu não se manifestar.

Mais comum na política, porém, é a tentativa de excluir trechos incômodos.

O publicitário Daniel Braga conta que um cliente uma vez pediu para que a citação a um personagem mal falado fosse retirada de seu verbete. Após explicar que não era tão simples, Braga diz que ouviu “liga lá e manda tirar”.

Mas não há para onde ligar. A Wikipédia tem uma estrutura colaborativa. Qualquer um pode editar sem se identificar por nome. Quando alguém escreve algo errado ou duvidoso, outro voluntário costuma ver e consertar.

Para satisfazer o cliente, a equipe de Braga tentou editar o texto. “Foi excluído e meia hora depois voltou”, diz o publicitário. Além disso, o usuário utilizado para alterar o verbete foi advertido.

Braga é responsável pela comunicação digital de Doria, mas já teve outros contratos no meio político —como do Palácio do Planalto.

disputa

O estudante Érico Wouters é o usuário da Wikipédia que mais edita artigos sobre presidenciáveis. Ele classifica a relação com as equipes dos políticos como uma guerra.

“Em todo período pré-eleitoral há movimentações maiores em artigos sobre políticos. Eles fazem isso muito descaradamente”, diz.

Também são comuns edições deliberadamente errôneas, onde não é possível estabelecer relação com políticos. Após o escândalo da delação premiada da JBS, por exemplo, um usuário escreveu que Michel Temer era “ex-presidente”. A alteração logo foi revertida.

A disputa por narrativa em época eleitoral, muitas vezes envolvendo atores que jogam sujo, é incontrolável, segundo o publicitário Edson Barbosa. “Toda e qualquer informação que é distribuída nas redes tem níveis de confronto muito altos sobre a veracidade”, diz ele, ex-responsável pela comunicação do PT.

Heitor Carvalho Jorge, que é um administrador da Wikipédia —espécie de usuário com mais prerrogativas para editar—, diz que a disputa pelos artigos não é de todo ruim. Páginas com temas controversos, afirma, acabam tendo referências mais consistentes.

“O verbete sobre o Bolsonaro é o mais polêmico entre os presidenciáveis, então acabou se tornando um dos melhores”, diz. Ele também conta que há poucos editores na versão em português da enciclopédia, por isso problemas às vezes demoram para serem detectados.

Sob condição de anonimato, uma pessoa que foi responsável por verbetes de políticos em uma agência relatou à Folha quais eram seus procedimentos. 

Segundo esse profissional, havia cerca de dez contas fake para polir as imagens de três políticos, pois fazer a edição sempre com o mesmo usuário seria arriscado.

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