Pivô de debate sobre foro perde o mandato no TSE

Caso de prefeito de Cabo Frio (RJ) rodou tribunais desde 2010; serão marcadas novas eleições

Italo Nogueira
Rio de Janeiro

Pivô do debate sobre o foro especial no STF (Supremo Tribunal Federal), o prefeito de Cabo Frio, Marquinhos Mendes (MDB), perdeu o mandato por decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Os ministros que entenderam que o emedebista não poderia ter registrado sua candidatura em razão das regras da Lei da Ficha Limpa.

Mendes deixa o mandato após um ano e quatro meses no cargo. O TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio organizará as novas eleições no município.

A decisão não interfere no julgamento previsto para o mês que vem no STF sobre o foro especial. Foi numa ação penal que tem Mendes como réu que o ministro Luis Roberto Barroso decidiu discutir as regras de aplicação do foro especial.

A maioria dos ministros já defendeu, em novembro, que deve valer apenas para políticos acusados de crimes cometidos no exercício do mandato em vigor e relacionados a ele. A decisão só terá efeito após o fim do julgamento, adiado após pedido de vista do ministro José Dias Toffoli —ele já liberou o processo, que será julgado mês que vem.

Marquinhos Mendes, prefeito de Cabo Frio (RJ)
Marquinhos Mendes, prefeito de Cabo Frio (RJ) - Divulgação

A razão da perda do mandato não foi nenhuma das duas ações penais que passaram pelo STF. O prefeito foi condenado pela 96ª zona eleitoral, em março de 2010, por propaganda eleitoral antecipada por meio da publicidade oficial da prefeitura.

 

Nas peças, ele divulgava programas sociais proibidos pela legislação eleitoral, como a distribuição de cestas básicas e contratação de pessoal sem concurso público.

A sentença impôs três anos de inelegibilidade. A Lei da Ficha Limpa, sancionada em junho de 2010, definiu que condenados por abuso de poder político e econômico (caso de Mendes) devem ficar oito anos inelegíveis.

Mesmo sancionada depois da condenação, o TSE entendeu que ela pode retroagir seus efeitos. O juiz eleitoral de primeira instância negou o registro de sua candidatura em 2016, motivo pelo qual seus votos, inicialmente, não foram totalizados. Por 4 a 3, o TRE autorizou seu registro, após as eleições, o que lhe permitiu assumir o cargo —ele recebeu mais votos do que o adversário, mesmo com a candidatura sub-júdice.

O tempo que a Justiça levou para definir se Mendes devia ou não estar nas urnas de 2016 pode ser até considerado rápido frente aos dez anos das ações penais contra ele que não tiveram nem sequer uma sentença. No período ele foi prefeito, ficou sem mandato, virou deputado federal e voltou a ser prefeito, o que fez suas ações penais passarem por três instâncias diferentes sem qualquer decisão.

Ele foi beneficiado pelo que o ministro Luís Roberto Barroso chamou de “elevador processual”, alteração de foro motivada pela mudança de cargo ocupado pelo réu.

Atualmente, se um cidadão sem mandato comete um crime e depois é eleito deputado federal ou senador, o processo que tramitava em primeira instância sobe para o STF. Ao deixar o cargo, se a ação não tiver sido concluída ainda, ele volta à primeira instância. Se virou prefeito, vai para a segunda —caso de Mendes.

“A tramitação sempre foi dessa forma. A gente entende e tem que aceitar essa morosidade, entre aspas, da Justiça. Não me incomodo porque faz parte do processo”, disse Mendes.

A ação penal 937 —pivô do debate do foro especial— completa seis anos em setembro. Em 2012, ele foi denunciado sob acusação de comprar votos, em 2008, com notas de R$ 50 e carnes. As provas colhidas para comprovar o crime são contraditórias.

A investigação começou com uma enxurrada de cartas enviadas à Justiça Eleitoral relatando a distribuição de dinheiro.

A Promotoria ouviu alguns dos autores das missivas que confirmaram o relato. A defesa, por sua vez, encontrou um dos remetentes que agora afirma ter sido induzido a assinar o texto pelo adversário de Mendes naquela eleição.

O órgão decidiu denunciar Mendes, ainda que a Polícia Federal tenha concluído seu relatório sem indiciamento em razão de falta de “prova cristalina” de crime.

Confuso ou não, o caso foi levado à Justiça eleitoral em 2012. Naquele ano, Mendes ainda era prefeito, motivo pelo qual foi processado no TRE. No ano seguinte, o caso foi para a 256ª zona eleitoral, já que seu mandato havia terminado e ele havia ficado sem cargo. Em novembro de 2014, o processo estava pronto para ser julgado após colheita de provas, oitivas de testemunhas e alegações finais.

Neste momento, Mendes já estava eleito suplente de deputado federal. Ele assumiu o posto em abril de 2015, levando o caso para o STF. Barroso foi designado relator da ação penal.

Em fevereiro de 2017, quando Mendes renunciou ao mandato de deputado para reassumir a Prefeitura de Cabo Frio, o ministro deveria enviar o processo de volta ao TRE (Tribunal Regional Eleitoral) do Rio, foro especial de prefeitos. Contudo, ele decidiu levar ao plenário o debate sobre essas regras, com base no exemplo de Mendes.

“O caso revela a disfuncionalidade prática do regime de foro privilegiado, potencializado pela atual interpretação constitucional. [...] O sistema é feito para não funcionar”, disse Barroso em seu voto.

Mendes poderia ter sido pivô do debate no STF numa ação penal ainda mais antiga, que completa dez anos. Em 2008, ele foi acusado de ter comprado o apoio político de militantes do PT para a eleição daquele ano. Gravações mostraram que ele ofereceu aumento salarial na prefeitura, cargos e reforma na casa de um dos aliciados.

Este caso percorreu a mesma via-crúcis do relatado por Barroso. No STF, caiu nas mãos do ministro Celso de Mello que o devolveu em 2017 ao TRE, quando Mendes assumiu a Prefeitura de Cabo Frio. Até hoje não foi julgado. Agora, deve descer mais um andar do “elevador processual” e levado para a primeira instância.

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