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Alberto Dines influenciou o jornalismo de diversas formas na sua carreira

Percursor da crítica na imprensa, jornalista morreu nesta terça (22) aos 86 anos em São Paulo

São Paulo

Qualquer pessoa que tivesse dado ao jornalismo apenas uma das contribuições que Alberto Dines legou à profissão já teria tido razões suficientes para se sentir realizado e veria seu nome inscrito na história da imprensa brasileira.

Dines será sempre lembrado por diversas grandes realizações que até hoje influenciam positivamente a atividade no país.

Ele foi o criador de um dos primeiros veículos jornalísticos a usar exclusivamente a plataforma da internet, o Observatório da Imprensa, que continua no ar, criado em 1996, dedicado ao debate aberto sobre a mídia e à sua crítica.

O Observatório for o corolário de uma série de produtos a que se dedicou para a autorreflexão jornalística, entre os quais o periódico Cadernos de Jornalismo e Comunicação do Jornal do Brasil, a coluna Jornal dos Jornais, nesta Folha, precursora do ombudsman, o Jornal da Cesta no semanário Pasquim e depois na revista Imprensa.

Dedicou-se ao estudo acadêmico em diversas fases. Criou em 1963 na PUC do Rio a disciplina chamada Jornalismo Comparado, que depois foi incorporada a praticamente todos os currículos das escolas de Comunicação pelo país.

Quase 30 anos depois, foi um dos fundadores, com Carlos Vogt e José Marques de Melo, na Unicamp, do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo, o Labjor, centro de referência nacional e latino-americano para pesquisa e formação em divulgação da ciência e da cultura.

Na direção do Jornal do Brasil no início da década de 1960, consolidou a extraordinária reforma gráfica e editorial do diário, iniciada quase uma década antes por Odylo Costa, filho, e continuada depois por Janio de Freitas.

O JB se tornou, após a reforma, um modelo para o jornalismo impresso diário no Brasil, e serviu de inspiração para todas as mudanças posteriores realizadas por seus concorrentes e sucedâneos.

À frente do JB, Dines estabeleceu métodos e técnicas com que tivera contato em suas viagens pelos EUA. Entre as heranças desse período, inclui-se o departamento de pesquisa do JB, classificado por Fernando Gabeira (que lá trabalhou no início da carreira) como “uma espécie de Google da era analógica”.

Em vez de simples arquivo para consultas, o departamento virou célula de produção de material de apoio para se integrar a reportagens e análises e lhes dar contexto histórico e conjuntural.

Com diversas reedições revistas e ampliadas (a mais recente em formato digital), o livro “O Papel do Jornal”, originalmente de 1974, é talvez o mais influente sobre o jornalismo jamais publicado no país.

Com sua permanente inquietação intelectual, Dines o manteve atual à medida que a profissão era obrigada a reinventar-se diante dos desafios que a tecnologia e as mudanças do mercado lhe impuseram desde o fim do século passado.

Além de todas essas intervenções diretas na prática jornalística, Dines ainda se destacou em outro gênero, o da biografia, com o seu clássico “Morte no Paraíso” sobre Stefan Zweig, cuja primeira edição é de 1981 e a mais recente de 2004.​

Ele foi provavelmente o inaugurador da “biografia jornalística”, que se difere da tradicional, como lembra o especialista em biografia Sérgio Villas-Boas, por utilizar mais fontes orais, ser mais atenta às contradições e lacunas na história de seus personagens, menos rígida em relação aos métodos históricos.

Quando Dines completou 80 anos de vida 60 de profissão, em 2012, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) realizou um seminário sobre sua contribuição ao “conhecimento científico do jornalismo no Brasil”, o título do evento.

Durante um dia inteiro várias dessas atividades de Dines foram analisadas por pesquisadores e jornalistas. Ao final, o painel comprovou que muito poucos —se é que alguém— poderiam ser comparados a ele em termos da relevância do patrimônio que construiu.

Continuar a construir sobre este patrimônio é a melhor homenagem que seus amigos, discípulos e admiradores poderão lhe prestar.

Carlos Eduardo Lins da Silva é professor do Instituto de Relações Internacionais da USP

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