Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

'Otavio foi ícone da liberdade e da democracia', diz presidente da ANJ em homenagem

Trajetória do jornalista foi relembrada em evento em São Paulo

São Paulo

O jornalista Otavio Frias Filho, morto no último dia 21 de agosto aos 61 anos, foi homenageado pela ANJ (Associação Nacional de Jornais) na manhã desta quinta-feira (30). A honraria foi entregue a Maria Cristina Frias, que sucedeu Otavio como diretora de Redação da Folha. Otavio esteve no cargo durante 34 anos. 

“Perdemos precocemente um símbolo do jornalismo brasileiro”, disse Marcelo Rech, presidente da ANJ, no evento em São Paulo. Ele afirmou que o Projeto Folha elaborado por Otavio  —norteado pelos conceitos de apartidarismo, pluralismo, crítica e independência— influenciou todo o jornalismo feito no Brasil nas últimas três décadas.

“Otavio foi um ícone da defesa da liberdade, da democracia, da pluralidade, valores fundamentais para o país.”

Em seu discurso, além de lembrar a revolução que o irmão fez na Folha e no modo de se fazer jornal no país, Maria Cristina observou que as qualidades humanas de Otavio se sobressaíam ainda mais em família. “Era amoroso, presente, pronto a ouvir, compartilhar e buscar o consenso”, disse. “Perdi um pai pela segunda vez, e também meu melhor amigo.” 

Publisher da Folha, Octavio Frias de Oliveira (1912-2007) foi pai de Otavio, Maria Cristina, Luiz, presidente do Grupo Folha, e Maria Helena, médica.

Maria Cristina ressaltou que o comando da Folha permanece na família Frias, comprometida com o jornalismo profissional. A melhor forma de homenagear Otavio, disse, é dar continuidade ao trabalho iniciado por ele. 

Retrato do jornalista Otavio Frias Filho diretor em julho de 2013
Retrato do jornalista Otavio Frias Filho diretor em julho de 2013 - Lenise Pinheiro

“Defenderemos obsessivamente o legado de Otavio. Faremos um jornalismo sobre as bases que ele nos ensinou. Mas não queremos congelar a Folha. Seguiremos inquietos, ousados, surpreendentes quando possível e sempre atentos à saúde financeira do jornal.”

No evento também foi homenageado o jornalista Alberto Dines, morto em maio deste ano, aos 86 anos. Jayme Sirotsky, presidente emérito do Grupo RBS, qualificou Otavio e Dines como instituições do jornalismo brasileiro, “soldados da profissão e da busca por liberdade de imprensa”.

A viúva de Dines, Norma Couri, comentou a trajetória profissional de mais de seis décadas do marido. “Dedicou a vida ao jornalismo, sempre com muita coragem. A fé que tinha no jornalismo precisa ser revivida. Estou engajada em criar um projeto que preserve a memória do Dines, em defesa da informação e da verdade.”

Após as homenagens, o prêmio ANJ de Liberdade de Imprensa foi entregue à WAN-IFRA (Associação Mundial de Jornais e Editores de Notícias), “pela defesa e promoção da liberdade de imprensa em todo o mundo ao longo de seus 70 anos de existência”.

Michael Golden, presidente da instituição, destacou em seu discurso de agradecimento que poucas vezes a liberdade de imprensa esteve sob tanta pressão agora. Algo assim não se via, disse, desde a escalada totalitária na Europa dos anos 1930, que culminou na Segunda Guerra Mundial. 

Ele avalia que três forças são responsáveis por este momento crítico: o ataque de políticos e governos à imprensa,  fake news propagadas como notícias verdadeiras nas redes sociais e a corrosão dos conceitos de liberdade e privacidade acarretada pelo avanço tecnológico.

Sobre este último ponto —que considera o mais difícil de identificar, porém o mais perigoso— , citou aplicativos de celular e ferramentas do Facebook que permitem mapear localização, hábitos e consumos dos usuários. “É uma invasão de privacidade numa escala que antes não parecia possível”, comentou. 
 

“É nosso dever como jornalistas garantir que nossos leitores e nossos governos entendam o que está sendo feito e o que está em jogo. Essa invasão de privacidade e a observação extrema das vidas dos indivíduos, combinadas com inferências de atitudes mentais e perfis psicológicos, tornam mais difusa a disseminação de mentiras e desinformação.”

Também no evento da ANJ, executivos dos principais grupos de comunicação do país debateram a importância da credibilidade para cidadãos, empresas e instituições. Participaram da mesa Sérgio Dávila, editor-executivo da Folha, Marta Gleich, diretora de jornalismo de rádio e jornal do Grupo RBS, Alan Gripp, diretor de Redação do jornal O Globo, e João Fabio Caminoto, diretor de jornalismo do Grupo Estado. 

O moderador foi Ricardo Gandour, diretor-executivo da Rádio CBN. Ele iniciou a discussão prestando tributo a Otavio. “Perdemos uma célula-tronco do jornalismo brasileiro, ou até mundial”, lamentou.

Dávila referiu-se a Otavio como um homem “iluminista, de inteligência múltipla”. Sobre a Folha, o editor-executivo destacou o compromisso do veículo com o jornalismo profissional, financiado pela cobrança pelo conteúdo.

Dávila comentou a decisão da Folha, tomada em fevereiro, de não mais publicar seu conteúdo no Facebook, após a rede social diminuir a visibilidade do jornalismo profissional nas páginas de seus usuários.

 Anteriormente, o Facebook tentou cooptar as empresas de mídia para seu projeto Instant Articles. Nele, os veículos transferem gratuitamente seu conteúdo para a rede social, sem direito a cobrar pelo acesso a ele, em troca de acelerar o carregamento das páginas.

“Jogávamos nosso conteúdo no Facebook, mas não tínhamos controle sobre quem lia. Então em 8 de fevereiro deixamos de atualizar nossa página.”

Caminoto, por sua vez, argumentou que, a despeito de obstáculos e desafios atuais, nunca o jornalismo passou por uma fase tão rica, em termos de quantidade e qualidade do conteúdo, o que se faz ainda mais importante num período de eleição. “Nunca estivemos numa situação tão privilegiada para oferecer ao público as informações necessárias para que ele possa tomar sua decisão nesta eleição.”

 Marta Gleich e Alan Gripp também ressaltaram que a eleição é um momento crucial para o jornalismo. 
“É mais uma oportunidade para consolidar o jornalismo profissional como a fonte mais confiável de informação”, disse Gripp.

“A indefinição desse pleito é muito grande. Nós, jornalistas, não podemos errar”, falou Gleich. “Nos perguntamos sempre na RBS: que tipo de cobertura deveríamos fazer neste ano? Quando não se sabe o que o público quer, pergunte ao público. Planejamos os produtos de fora para dentro.”

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