Ataques de Bolsonaro à imprensa chegaram a dez por semana no fim da campanha

Levantamento da Folha acha registros de 129 casos desde início do ano; 45 ocorreram em outubro

Ricardo Balthazar
São Paulo

Jair Bolsonaro atacou a imprensa dez vezes por semana durante o mês de outubro, na reta final da campanha presidencial, de acordo com análise feita pela Folha em mensagens que ele publicou nas redes sociais, pronunciamentos e entrevistas.

O levantamento encontrou registros de 129 ataques de Bolsonaro à imprensa desde o início do ano e mostra que eles se intensificaram no último mês da corrida eleitoral, período em que ocorreram 45 episódios, um terço do total.

 

Foram contabilizadas 39 acusações de falsidade e 38 denúncias de partidarismo dirigidas a veículos de comunicação e jornalistas específicos, além de 49 mensagens genéricas em que o capitão reformado do Exército deixou explícito o objetivo de estimular o descrédito na imprensa. 

Houve também três ameaças dirigidas à Folha. Bolsonaro disse que cortaria verbas publicitárias do governo destinadas ao jornal em duas ocasiões antes da eleição, e reafirmou sua disposição numa das primeiras entrevistas concedidas na condição de presidente eleito, na segunda (29).

“Não terão mais verba publicitária do governo”, disse Bolsonaro em discurso transmitido por telefone celular a seguidores reunidos na avenida Paulista no dia 21. “O dinheiro público que recebem para fazer ativismo político vai secar”, insistiu em mensagem no Twitter, três dias depois.

Após a eleição, ele voltou ao assunto ao ser questionado pelo Jornal Nacional, da TV Globo. “Na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal”, disse Bolsonaro. “Por si só esse jornal se acabou.”

Em agosto, em entrevista ao Jornal Nacional, o capitão reformado afirmou que a TV Globo dependia de publicidade oficial para sobreviver, mas não ameaçou cortar anúncios da emissora. A Globo informou que a publicidade do governo federal e de suas estatais representa menos de 4% de suas receitas publicitárias.

Braço direito de Bolsonaro, o advogado Gustavo Bebianno disse na terça-feira (30) que o presidente eleito tem o direito de criticar a imprensa, especialmente se for “atacado em algum momento de forma fora de uma linha de normalidade”, e rejeitou a caracterização dessas críticas como ataques. “Faz parte da democracia”, disse Bebianno. “Ninguém está atacando ninguém.”

Na quinta-feira (1º), representantes da Folha e de outros cinco veículos foram barrados numa entrevista coletiva de Bolsonaro. Repórteres dos jornais O Estado de S. Paulo, O Globo e Valor Econômico, da rádio CBN e da EBC foram impedidos de participar.

A Folha foi o alvo preferencial de Bolsonaro até agora. Foram 36 ataques desde o início do ano, sendo 16 somente em outubro. Em segundo lugar, com 27 casos, aparecem veículos da Globo, incluindo a emissora de televisão aberta, o canal pago de notícias GloboNews, o jornal O Globo e a revista Época.

O jornal O Estado de S. Paulo e a revista Veja foram alvo quatro vezes cada um. Em outros 54 episódios, os ataques de Bolsonaro não foram endereçados a nenhum veículo de comunicação específico, mas à imprensa como um todo.

Bolsonaro se manifestou sempre que se viu atingido por reportagens críticas, como levantamentos sobre a evolução de seu patrimônio, a descoberta de uma funcionária fantasma de seu gabinete em Angra dos Reis e a revelação de que empresários impulsionaram disparos de mensagens por WhatsApp contra o PT.

No caso da assessora do seu gabinete, Walderice Santos da Conceição, Bolsonaro acusou reiteradamente a Folha de cometer uma injustiça, dizendo que ela estava de férias quando foi localizada em Angra dos Reis, em janeiro. Ele ignorou o fato de que ela foi flagrada de novo em agosto e se demitiu.

Na maioria dos casos em que os ataques foram genéricos, Bolsonaro se queixou de desequilíbrio na cobertura das eleições, acusando a imprensa de menosprezar demonstrações de apoio popular à sua candidatura nos estados e tratar com descaso episódios de agressões aos seus seguidores.

O Datafolha foi alvo de ataques cinco vezes, acusado por Bolsonaro de manipular os números das suas pesquisas para favorecer o PT. Nos dois turnos da eleição presidencial, porém, os resultados das urnas confirmaram as tendências reveladas pelas pesquisas do instituto antes da votação.

 

“No que depender de mim, na propaganda oficial do governo, imprensa que se comportar dessa maneira, mentindo descaradamente, não terá apoio do governo federal. Por si só esse jornal se acabou"
Sobre a Folha, em entrevista ao Jornal Nacional em 29.out

"Sempre a Folha de S.Paulo. É um jornal que realmente cada vez se afunda mais aí na lama"
Em 18.out, após o jornal revelar que empresários impulsionaram disparos no WhatsApp contra o PT

"Imprensa lixo!"
Em 11.out, ao divulgar no Twitter entrevista em que assassino de eleitor do PT muda versão e nega ter agido por motivação política

"Datafolha, continuas pagando vexame. E com toda certeza recebendo algo de muito bom dos seus patrocinadores"
No Twitter, em 10.jun

"Queremos uma imprensa livre. O PT tudo fez para censurá-la via ‘controle social da mídia’. O povo mostra para a Globo que liberdade NÃO É PUBLICAR MENTIRAS"
No Twitter, em 26.mai, ao divulgar vídeo em que uma equipe da TV Globo é intimidada na greve dos caminhoneiros

"São muitos robôs de internet e ativismo pago, disse a mídia! A que ponto ridículo chegarão para tentar nos denegrir? Obrigado a todos pela consideração!"
Em 21.abr, ao exibir no Twitter imagens de multidões reunidas para vê-lo durante a campanha

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