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Gestão Bolsonaro muda lei, e assessores poderão impor sigilo de dados do governo

Decreto assinado por presidente interino altera regras de aplicação da lei de acesso

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Brasília

​Um decreto assinado pelo presidente interino, Hamilton Mourão, alterou as regras de aplicação da LAI (Lei de Acesso à Informação) e permitiu que ocupantes de cargos comissionados da gestão, em muitos casos sem vínculo permanente com a administração pública, possam classificar dados do governo federal como informações ultrassecretas e secretas —aquelas com grau máximo de sigilo de 25 anos e 15 anos, respectivamente.

O presidente da República interino, general Mourão, deixa o seu gabinete no anexo do Palácio do Planalto
O presidente da República interino, general Mourão, deixa o seu gabinete no anexo do Palácio do Planalto - Pedro Ladeira/ Folhapress

O texto da gestão de Jair Bolsonaro, publicado na edição do Diário Oficial da União de quinta-feira (24), amplia o número de autoridades que podem tornar as informações protegidas por 25 anos. Pelo texto anterior, essa classificação só poderia ser feita por presidente, vice-presidente, ministros de Estado, comandantes das Forças Armadas e chefes de missões diplomáticas ou consulares permanentes no exterior. Com isso, 251 pessoas estavam autorizadas a fazerem a classificação.

Agora, o decreto que entrou em vigor nesta quinta autoriza também os assessores comissionados do Grupo-DAS de nível 101.6 ou superior, entre os mais elevados do Executivo, a fazê-lo. Podem ocupar esse cargo servidores públicos ou não, que exercem funções de direção ou assessoramento superior, com remuneração mensal de R$ 16.944,90. O número de pessoas que podem decidir sobre as informações ultrassecretas passa de 251 para 449.

Além desses, as autoridades podem delegar a dirigentes máximos de autarquias, de fundações, de empresas públicas e de sociedades de economia mista também a fazerem essa classificação dos documentos públicos da esfera federal.

Representantes de entidades que militam pela transparência na administração pública criticaram as mudanças no decreto. O ex-presidente da Comissão de Ética da Presidência da República Mauro Menezes, que ocupou o cargo de 2016 a 2018, classificou a alteração como "deplorável". "O sistema de transparência pública sofre um golpe duro com essa ampliação indiscriminada dos agentes capazes de impor sigilo de dados públicos." 

O PSOL afirmou que entrará no STF (Supremo Tribunal Federal) com uma ADIN (Ação Direta de Inconstitucionalidade) pedindo a nulidade do decreto. Além disso, o partido apresentará um projeto de decreto legislativo na Câmara para sustar o conteúdo do texto. "O decreto presidencial, na prática, esvazia a LAI [lei de acesso], violando princípios básicos da Constituição Federal", afirma em nota.

Inicialmente, a Casa Civil informou que o decreto restringia o número de agentes públicos que poderia fazer as classificações.

Ao ser confrontada com os números, técnicos da SAJ (Subchefia de Assuntos Jurídicos), órgão ligado à Casa Civil e responsável pela revisão jurídica de atos do Executivo, explicaram que o novo decreto tem como objetivo uma melhor adequação ao que diz a LAI, de 2012.

Eles argumentam que a legislação falava na possibilidade de ministros poderem delegar essas funções a subordinados, mas que isso não era permitido pelo decreto anterior, editado no mesmo ano que a lei entrou em vigor.

A Casa Civil, por meio de seu corpo técnico, nega que haja diminuição de transparência e afirma que as classificações podem ser revistas a todo momento. Eles dizem ainda que a medida visa tornar menos burocrático o trabalho, alegando que os ministros ficavam sobrecarregados com a função de terem eles próprios de analisar o grau de publicidade que cada informação produzida em sua pasta teria de ter.

Questionado sobre os motivos de o decreto ter sido editado agora, o governo explicou por meio de sua assessoria que isso evitaria um problema que poderia ocorrer em abril, quando informações classificadas como ultrassecretas têm um prazo de revisão expirado, exigindo nova análise. Eles não informaram quais dados seriam esses.

O decreto editado na gestão Bolsonaro permite ainda que seja delegada a competência para que comissionados façam a classificação de informações consideradas de grau secreto, cujo prazo de sigilo é de 15 anos. Para este caso, ocupantes de cargos comissionados de nível DAS 101.5, com remuneração de R$ 13.623,39, podem ser delegados a fazer a classificação, mas ficam proibidos de subdelegar a função a outras pessoas. Há 901 cargos desse tipo no governo.

De acordo com a assessoria de imprensa da Presidência da República, o decreto já estava previsto nas ações que deveriam ser assinadas pelo presidente Jair Bolsonaro, que está em viagem a Davos (Suíça), para participar do Fórum Econômico Mundial.

Segundo assessores, o texto só foi assinado por Mourão por ele estar atualmente na interinidade, mas o ato poderia ter sido feito por qualquer outra autoridade que estivesse no exercício da Presidência.

A Lei de Acesso entrou em vigor em maio de 2012 com o objetivo de criar mecanismos que possibilitem que qualquer cidadão ou empresa recebam informações públicas de órgãos e entidades. Ela tornou efetivos trechos da Constituição que já determinavam a transparência sobre os atos da administração pública.

Seu teor vale para os três Poderes da União, estados, Distrito Federal e municípios, inclusive aos Tribunais de Conta e Ministério Público. As entidades privadas sem fins lucrativos também são obrigadas a dar publicidade a informações referentes ao recebimento e à destinação dos recursos públicos.

O decreto assinado por Mourão altera um decreto presidencial de 2012, assinado no governo da então presidente Dilma Rousseff e que regulamentou a Lei de Acesso à Informação.

Na página que trata do acesso à informação do governo federal, a legislação é descrita com seis princípios básicos, sendo o primeiro deles o fato de que o "acesso é a regra, o sigilo, a exceção". Nessa lista, as hipóteses de sigilo são apontadas como "limitadas e legalmente estabelecidas".

Carimbo

Gestões de diferentes partidos já recorreram ao sigilo para tornar documentos inacessíveis por ano em governos passados.

Em outubro de 2015, por exemplo, como revelou a Folha na ocasião, o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) tornou sigilosos por 25 anos centenas de documentos do transporte público metropolitano de São Paulo –que inclui os trens do Metrô e da CPTM e os ônibus intermunicipais da EMTU.

No ano seguinte, Alckmin voltou atrás e decidiu retirar os sigilos prévios dos documentos, passando a avaliar a liberação caso a caso. 

Outro caso ocorreu também em 2015, quando a gestão do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), recorreu ao carimbo de secreto para decretar o sigilo de uma série de dados relativos à Guarda Civil Metropolitana, incluindo imagens de câmeras de monitoramento das ruas da cidade e informações da central de atendimento da prefeitura. 

A decisão, também revelada pela Folha e assinada em maio daquele ano pelo secretário Ítalo Miranda Júnior (Segurança Urbana), deu o status de "reservado" aos dados, que só poderiam ser acessados cinco anos depois. Alguns meses depois, Haddad reverteu parcialmente a medida, determinando que as informações passassem a ser analisadas por uma comissão. 

 

MOTIVOS PARA O SIGILO

  • Risco à vida, à segurança ou à saúde da população
  • Risco a projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico, assim como a sistemas, bens, instalações ou áreas de interesse estratégico
  • Risco à segurança de instituições ou de altas autoridades nacionais ou estrangeiras e seus familiares

EXEMPLOS ULTRASSECRETOS (governo federal)

  • Relatórios das Forças Armadas
  • Comunicados produzidos pelas embaixadas no exterior
  • Análises do Itamaraty
  • Dados sobre a comercialização de material bélico
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