Lula desiste de viagem após enterro de irmão, e defesa vê decisão 'inócua' de Toffoli

Enterro ocorreu às 13h em São Bernardo do Campo; ministro deu a decisão às 12h40

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Enterro de Genival Inácio da Silva,conhecido como Vavá, irmão de ex-presidente Lula
Enterro de Genival Inácio da Silva,conhecido como Vavá, irmão de ex-presidente Lula - Marlene Bergamo/Folhapress
São Paulo e Curitiba

Após a morte de seu irmão mais velho, Genival Inácio da Silva, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva desistiu de viajar a São Paulo para encontrar seus familiares e deverá conversar pessoalmente com eles somente nesta quinta-feira, em Curitiba, durante visita de rotina na carceragem da Polícia Federal, onde está preso desde abril passado.

Lula somente foi autorizado a participar do velório do irmão, morto nesta terça-feira (29), momento antes de acontecer o enterro, em São Bernardo do Campo.

A decisão favorável ao petista, assinada pelo presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Dias Toffoli, ocorreu por volta das 12h40, cerca de 20 minutos antes do enterro e após uma sequência de decisões judiciais contrárias ao pedido dos advogados de Lula. 

Pela decisão de Toffoli, Lula não teria podido ir ao cemitério nem ter tido acesso ao público que estava no enterro. Ele poderia se encontrar somente com familiares em uma unidade militar próxima do local do sepultamento, e sem direito a filmagens, uso de celulares ou declarações públicas.

A defesa de Lula recorreu ao STF, ao afirmar que esse é um direito humanitário do preso e está previsto “de forma cristalina” na Lei de Execução Penal.

Antes da decisão do STF, a Justiça Federal do Paraná e o TRF (Tribunal Regional Federal) da 4ª Região haviam entendido que a lei estabelece uma possibilidade, e não um direito, e consideraram que havia impossibilidade logística e riscos à integridade física de Lula e à ordem pública, conforme informou a Polícia Federal.

Para Toffoli, porém, isso “não deveria obstar o cumprimento de um direito assegurado”. “Prestar assistência ao preso é um dever indeclinável do Estado”, escreveu o ministro, citando o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Ainda assim, a demora para que a permissão fosse concedida foi criticada por advogados e militantes, e recebida com indignação no velório de Vavá, como era chamado o irmão de Lula.

“A decisão [do Supremo] foi absolutamente inócua. Ela foi proferida quando o corpo já estava baixando à sepultura”, disse o advogado Manoel Caetano Ferreira, que esteve com o ex-presidente por cerca de meia hora nesta quarta (30) em Curitiba.

Em frente à PF, militantes fizeram uma celebração ecumênica, em memória de Vavá, e responderam à decisão do ex-presidente, de não ir ao enterro, aos gritos de “Lula é preso político” e “Força, Lula”.

“Ele sentiu muito a morte do irmão. E sentiu ainda mais por não poder se despedir dele”, afirmou Caetano.

Para o advogado, o despacho estabelece condições a que Lula “jamais se submeteria”, como a orientação de que ele se reunisse à família em uma instalação militar. “Seria um vexame, um desrespeito”, disse.

A expectativa, agora, é que Lula receba familiares nesta quinta (31), dia de visitas na Superintendência da PF em Curitiba.

O ex-ministro Gilberto Carvalho elogiou a “correção de rumos” que Toffoli imprimiu com sua decisão, mas afirmou que a viagem a São Paulo “não faria sentido”.

“Foi uma posição totalmente cruel da Justiça e da Polícia Federal. Era uma questão de humanidade, e não de política”, disse à Folha.

Para ele, a PF agiu de “extrema má vontade”. “Segue a perseguição”, afirmou.

Em São Bernardo do Campo, no velório e enterro, petistas protestaram. “Infelizmente não deu tempo para que o presidente pudesse se deslocar para cá para dar o último adeus ao Vavá. Nós já estávamos com o corpo no túmulo, não tinha como parar o enterro”, disse a senadora e presidente do PT, Gleisi Hoffmann. 

“Amanhã [quinta-feira] já é dia de visita familiar. A família estará com o presidente, vai falar com ele. O que o Lula queria e nós queríamos era que ele pudesse ter visto o irmão pela última vez”, seguiu ela.

A senadora disse que houve um "jogo da Polícia Federal": "Não permitir que a gente tivesse tempo para trazer o Lula aqui”.

O PT reagiu com indignação à decisão de Toffoli. A notícia foi recebida em cima da hora, quando membros do partido, familiares e amigos já acompanhavam o corpo na direção da sepultura, minutos antes das 13h.

Na sequência, membros do PT no local criticaram a demora na análise do pedido, qualificando o despacho do ministro como “uma não decisão”, já que agora ela seria inócua.

Segundo Gleisi, não havia mais condições de postergar o enterro para que desse tempo de Lula chegar.

O enterro reuniu parentes, políticos e apoiadores do ex-presidente e acabou se tornando um ato de desagravo ao petista. Vavá tinha 79 anos e morreu em decorrência de um câncer. Como Lula, ele também foi metalúrgico em São Bernardo do Campo.

A Superintendência da PF no Paraná, responsável pela custódia de Lula, citou a possibilidade de manifestações no enterro como um dos motivos de risco para o transporte do ex-presidente. Para o órgão, havia “oportunidade para que o evento se transformasse em um ato político, promovido tanto por grupos favoráveis ou contrários”.

“É importante que Lula seja mantido a longa distância de aglomerações, já que esse fato pode desencadear crises imprevisíveis, assim como os fatos que ocorreram quando de sua prisão, em abril de 2018”, afirmou a PF.

Já na madrugada desta quarta, a juíza federal Carolina Lebbos, responsável pela execução da pena de Lula, concordou com a polícia e negou o pedido de saída temporária. Ela escreveu que a saída para velório ou enterro de um irmão de preso é uma possibilidade estabelecida em lei, que precisa ser avaliada dentro das circunstâncias colocadas.

Também nesta quarta, foi a vez de a segunda instância da Justiça Federal, por meio do juiz Leandro Paulsen, negar a saída temporária ao ex-presidente, por não ver qualquer ilegalidade nas decisões anteriores. A defesa, então, foi ao STF.

Amigos fazem oração durante velório de Vavá, irmão do ex-presidente Lula

Presidência evita comentar o caso

Questionada sobre o episódio envolvendo Lula, a Presidência da República não quis emitir opinião oficialmente. O porta-voz do governo Jair Bolsonaro, general Otávio Rêgo Barros, foi indagado nesta quarta por jornalistas no hospital Albert Einstein, onde o presidente está internado.

“As questões referentes à Justiça devem estar atinentes ao ambiente da Justiça. Sobre esse ponto, o presidente não se pronuncia”, respondeu o porta-voz.

Também nesta quarta, em entrevista à Folha, pela manhã, o ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil) evitou comentar o caso.

“Quem decide questões de presidiário é juiz, não é governo. [...] Esta é uma questão judicial, não é uma questão política”, disse Onyx.

Um dia antes, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, defendeu a ida do petista ao velório: "É uma questão humanitária. Perder um irmão é sempre uma coisa triste. Eu já perdi o meu e sei como é que é".

Mourão, no entanto, falou que a decisão final caberia ao Judiciário. “Eu acho que, se a Justiça considerar que está Ok, não vejo problema nenhum.”
 

Colaborou Talita Fernandes

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