Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

De Dilma a Bolsonaro, Afif resiste a trocas e usa diálogo para se perpetuar no poder

Assessor do ministro Paulo Guedes, ele emenda terceiro governo consecutivo com cargo

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São Paulo

Dos poucos elementos que sobreviveram ao furacão recente da política brasileira, um é bastante habituado a resistir às mudanças de ventos. Guilherme Afif Domingos atravessou as gestões Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) com cargos em Brasília e se manteve no poder com a chegada de Jair Bolsonaro (PSL).

Assessor especial do ministro Paulo Guedes (Economia), o paulistano de 75 anos de idade, 40 deles na vida pública, tem uma biografia digna da alcunha de camaleão político. Ele chegou a ser, ao mesmo tempo, vice do tucano Geraldo Alckmin no Governo de São Paulo e ministro da petista Dilma.

Em diferentes épocas, o liberal convicto já esteve ao lado de figuras tão díspares quanto o ex-prefeito e ex-governador Paulo Maluf (PP), o ex-presidente Lula (PT) e o senador José Serra (PSDB). Já foi deputado federal, secretário estadual em São Paulo e candidato à Presidência da República.

Sob Dilma, foi ministro da Secretaria da Micro e Pequena Empresa. Quando a pasta foi extinta, a petista o indicou para presidir o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Temer, que ascendeu após o impeachment, deixou Afif no posto.

Como integrante da gestão Bolsonaro, ele prefere os bastidores aos holofotes. Procurado pela Folha, o escudeiro de Guedes disse que um bom assessor é o que pouco aparece. Afirmou que sua trajetória ecumênica é fruto simplesmente de disposição para "conversar com todos".

​"Na engenharia, o menor caminho entre dois pontos é uma linha reta. Na política nem sempre. É como seguir os meandros de um rio. É a arte de contornar obstáculos", filosofou, ao ser indagado sobre a habilidade que lhe permitiu, nos últimos anos, nadar sem dificuldades nas águas do radicalismo político nacional.

Tornou-se querido por Dilma, que já o aclamou em discurso pelo papel de "liderança e protagonismo" na valorização das micro e pequenas empresas no país. De Guedes, com quem trabalha desde janeiro, não mereceu ainda elogios públicos. O titular da Economia, no entanto, vê o amigo como a pessoa de seu entorno mais experiente em política.

No dia a dia, é homem de confiança do ministro para mesas de negociação, território que domina. Tem a agenda preenchida por reuniões com empresários e com interlocutores no Congresso.

Até série da Lava Jato

A convivência com diferentes políticos e partidos ao longo dos anos levou Afif a aparecer na abertura da segunda temporada de "O Mecanismo", a série da Netflix inspirada na Lava Jato. Ele surge na tela com os olhos cobertos por uma tarja, aplicada sobre uma imagem do período em que era vice de Alckmin.

O tucano, em primeiro plano na gravação, também teve os olhos pixelados na vinheta, que expõe em sequência FHC, Lula, Temer, Dilma, José Dirceu, José Sarney, Aécio Neves e outras pessoas que mandaram no Brasil de 1990 para cá.

Afif não é citado na operação anticorrupção nem é lembrado nos capítulos da série. Ele ficou aliviado ao saber que a menção se restringiu à abertura. Não pode negar, afinal, ter feito parte da história recente do poder.

Sempre que questionado, o descendente de libaneses e italianos busca combater a imagem de que o relacionamento com um amplo arco de ideologias seria sinal de oportunismo ou aproximação por interesse.

Costuma falar que é o contrário: que é um político de bandeira (no seu caso, a pauta dos pequenos empreendedores) e que se move para defender a causa. Diz também que aprende mais com quem diverge dele do que com quem pensa parecido.

Um livreto sobre sua história que Afif mostra a quem o visita em seu escritório na capital paulista ilustra bem a versatilidade, com fotos dele ao lado de todos os presidentes desde a redemocratização.

Uma das imagens é com Lula, em 2003, discutindo a lei do MEI (microempreendedor individual). Os dois foram deputados constituintes, nos anos 1980. Afif guarda no celular a cópia de uma entrevista de Lula à revista Veja nessa época, na qual o petista se referia a ele como um empresário moderno, “com a mentalidade um pouco mais arejada”.

Anos depois, em 2009, Afif criticaria o governo do PT pela escassez de investimentos, chamaria o PAC de “plano de abuso da credulidade” e atacaria a pré-candidatura de Dilma: “É a mesma coisa que entregar um Boeing para quem nunca pilotou um teco-teco”.

As falas não impediram a ida para o governo dela, quatro anos mais tarde, empenhado em promover "geração de emprego e distribuição de renda", como ele justificou em sua posse. Outros ares.

Embora tenha se afastado do PT, Afif discorda, por razões jurídicas, da prisão de Lula. Argumenta que a Constituição é clara ao prever a prisão somente depois de esgotados todos os recursos. Critica também a prisão de Temer, que considera injustificável.

​Ele, que teve o aval do emedebista para se manter à frente do Sebrae, se licenciou da presidência da entidade um ano atrás para tentar ser o candidato de seu partido à Presidência da República. Seria sua segunda corrida ao Planalto —terminou em sexto lugar na de 1989, vencida por Fernando Collor de Mello.

A movimentação de 2018 foi, na verdade, uma estratégia para evitar que o PSD embarcasse na campanha de Alckmin. Ele rompeu com o tucano quando ainda era seu vice no governo.

Afif se ressente até hoje por ter sido escanteado por Alckmin quando este percebeu que seu então braço direito negociava, com Gilberto Kassab, a fundação de uma legenda. Acabou virando, na época, um vice decorativo.

No ano passado, quando ele ainda se esforçava para emplacar seu nome, alfinetou o futuro chefe em entrevista à rádio Jovem Pan. Afif disse que Guedes deveria “estar tendo uma dificuldade danada” para convencer o então candidato Bolsonaro sobre ideias liberais. Águas passadas.
 

Afif, ao fundo, após reunião do presidente Jair Bolsonaro com o ministro Paulo Guedes (Economia)
Afif, ao fundo, após reunião do presidente Jair Bolsonaro com o ministro Paulo Guedes (Economia) - Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil

Otimismo

Hoje como parte do governo, o colaborador do ministro da Economia adota em público a linha otimista. Diz crer que a reforma da Previdência, tão sonhada pela equipe, com certeza será aprovada neste ano. Mas advoga que o presidente faça uma defesa mais enfática do projeto.

O assessor chegou ao cargo a convite de Guedes, de quem é amigo há décadas. O hoje ministro foi responsável pelo capítulo econômico do plano de governo de Afif na campanha dele ao Planalto em 1989.

"Depois de 30 anos, finalmente a gente vai poder ajudar a construir um projeto liberal", disse Afif à Folha em dezembro, quando aceitou o chamado de Guedes para trabalharem juntos por questões como desburocratização, retomada do crescimento e reequilíbrio das contas públicas.

Nessa missão, o assessor se deparou recentemente com uma, por assim dizer, oposição doméstica. Depois que o governo bloqueou recursos para a educação, protestos de rua eclodiram pelo país em 15 de maio. Na manifestação de São Paulo, entre os participantes estava um dos netos de Afif.

Camaleão político

Partidos pelos quais passou

PDS, PL e PFL (atual Democratas). Em 2011, com Gilberto Kassab, fundou o PSD, onde está até hoje

Principais cargos

  • Presidente da Associação Comercial de São Paulo (anos 1980 e anos 2000)
  • Secretário estadual em São Paulo nas gestões Paulo Maluf (1980-1982), José Serra (2007-2010) e Alckmin (2011)
  • Deputado federal (1987-1991)
  • Vice-governador de São Paulo no governo Geraldo Alckmin (2011-2014)
  • Ministro de Micro e Pequena Empresa no governo Dilma Rousseff (2013-2015)
  • Presidente nacional do Sebrae (2015-2018)
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