Antes consideradas inviáveis, ideias liberais agora são aceitas, diz presidente do Instituto Mises

Investidor Helio Beltrão avalia que vitória de Jair Bolsonaro sinaliza uma mudança de rumo no país

Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil
Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil - Karime Xavier / Folhapress
Marco Rodrigo Almeida
São Paulo

Antes consideradas inviáveis no país, as ideias liberais são agora tidas como aceitáveis, diz o investidor Helio Beltrão. “Já é um avanço. Daqui a pouco serão vistas como bastante razoáveis”, comenta ele, aos risos.  

Presidente do Instituto Mises Brasil, Beltrão avalia que a vitória de Jair Bolsonaro (PSL) sinaliza o início de um processo de mudança de rumo no país. Bolsonaro, afirma, foi genial ao identificar, de forma mais acurada que os demais candidatos, o sentimento de revolta da população e o desejo de retorno aos valores conservadores.

Definindo-se como um ultraliberal, Beltrão fundou há 11 anos seu instituto, dedicado à produção e à disseminação de estudos que promovam princípios básicos do liberalismo, como livre sociedade e economia de mercado.

A inspiração teórica veio de Ludwig von Mises (1881-1973), um dos principais economistas do século 20, expoente da Escola Austríaca, conjunto de pensadores que possui como fundamentos o individualismo metodológico, a propriedade privada e o livre mercado. 

Antes do Mises, Beltrão participou da fundação do Instituto Millenium, também de perfil liberal, ao lado de, entre outros, Paulo Guedes, futuro ministro da Economia. Também é próximo de nomes que comporão a equipe de Guedes, como Salim Mattar e o colunista da Folha Marcos Troyjo. “Estou muito otimista. Desde que me entendo por gente, é a melhor equipe que o Brasil já teve”, afirma. 

 

Que papel tiveram as ideias liberais na vitória de Bolsonaro? 
Foram um fator importante. Talvez seja exagero dizer que foram preponderantes. Houve também a questão da segurança pública, do saneamento, da saúde. De toda forma, tiveram um papel substancial. Bolsonaro capturou e representou bem a revolta do brasileiro. Ele percebeu melhor que ninguém essa demanda popular. Todo político genial vê antes dos outros.

Bolsonaro foi genial nesse sentido? 
Julgo que ele foi genial ao perceber e unir em sua campanha esses dois pontos: a revolta em relação ao legado de Dilma Rousseff (PT) e o desejo de resgatar os valores conservadores. Ele percebeu que essa demanda vinha muito forte. Embora não seja um liberal de carteirinha ou de estudo, teve uma intuição de que o liberalismo é positivo e abraçou essa causa. 

Que Bolsonaro veremos na Presidência: o parlamentar que quase sempre esteve associado a pautas protecionistas e corporativistas ou o candidato que se apresentou como defensor do livre mercado? 
Acho que ele assumirá o papel que apresentou durante a campanha. Será julgado por isso. Antes vinha como um deputado defendendo alguns setores. Uma vez presidente, tenho a impressão de que governará para todos os brasileiros. Não acho que colocará seu peso político para defender um segmento específico em detrimento de outro. 

Que avaliação faz da equipe econômica do futuro governo? 
Pessoalmente, estou muito otimista. São pessoas de peso, como Paulo Guedes, com um histórico de execução muito bom. Eles conhecem as ideias corretas. Pelo menos na parte econômica, creio que o novo governo estará na direção correta. Desde que me entendo por gente, será a melhor equipe que o Brasil já teve. Precisamos reduzir a intrusão do governo na sociedade e no mercado. 

Acha que grande parte da população também defende uma menor intervenção do Estado? Um velho ditado diz que o brasileiro odeia os políticos, mas adora o Estado. Esse, inclusive, é o título do livro do Bruno Garschagen, autor dos podcasts do site do Mises [“Pare de Acreditar no Governo: Por que os Brasileiros não Confiam nos Políticos e Amam o Estado”].

O Estado como solução dos problemas está se demonstrando, na verdade, um grande problema. O governo não entrega o que promete. Nossa responsabilidade cidadã é agir diretamente, não esperar o governo. A população está se dando conta disso.

 Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil
Helio Beltrão, presidente do Instituto Mises Brasil - Karime Xavier/Folhapress

Paulo Guedes defende um programa radical de privatização. O governo não enfrentaria muita resistência para isso? Acho que essa deve ser a meta, uma privatização radical na medida do possível. O governo não deve gerir nada. Gestão pelo governo não funciona. O papel do Estado, se há algum, não é gerir. O que o governo faz é socializar prejuízos. A empresa dá prejuízo e todos nós pagamos por isso.

Para gerir uma empresa, é preciso ter responsabilidade. E para uma empresa ter responsabilidade, não pode estar na mão do governo, pois não é ele que paga a conta no final.

Mas acha que haveria apoio popular para privatizar Petrobras e Banco do Brasil, por exemplo? Infelizmente, parte da população ainda acredita que é um bom negócio o governo gerir a Petrobras. Isso é um erro de julgamento. De toda forma, nunca houve um momento tão bom para discutir isso no país.

Muitos dizem que a intervenção do Estado é fundamental em países desiguais como o Brasil.
Discordo totalmente. O Estado não cria dinheiro, tira da população. Vai tirar também do pobre. É uma falácia achar que o governo é a solução. Ele é o problema. Isso ocorre por conta da própria estrutura do Estado. Ele não precisa prestar contas de suas atividades. 

Eu vejo muito brasileiro pobre com celular, TV, geladeira. Ele só não tem o que o governo promete: saneamento, saúde, educação de qualidade, segurança. Fica condenado a uma vida de desigualdade de oportunidades. 

Como resolver esses problemas sociais, por exemplo, sem a participação do Estado? 
Eu acho, por exemplo, que o governo não deveria gerir as escolas. Poderia alocar as crianças da rede municipal que não podem pagar mensalidade em escolas comunitárias geridas por ONGs. As escolas que prestarem um bom serviço receberiam esses alunos e seriam pagas pelo Estado. 

Já no caso de um diretor de uma escola pública, quanto pior for o trabalho dele, mais verba receberá do governo. Vão achar que ele precisa de mais verba para melhorar. É o contrário do que ocorre no setor privado. 

Parte da população teme que o governo Bolsonaro tenha um tom autoritário e represente um risco para as instituições. O que o senhor acha? 
Não vejo qualquer possibilidade de uma guinada autoritária no governo dele. Uma coisa é retórica de campanha, outra é o governo. O vejo falar sempre em respeito às regras, em seguir a Constituição. Não vejo risco nenhum à democracia. 

Risco, sim, haveria na vitória de Fernando Haddad (PT), que falava em controlar a mídia e outras coisas do tipo. 

As declarações de Bolsonaro de que não houve ditadura no país não causam apreensão sobre a real adesão dele aos valores democráticos? 
Teria que ver as declarações dele em detalhe. Acho que ele muitas vezes se refere ao que aconteceu em 1964, e menos ao que aconteceu depois. Esses períodos devem ser analisados separadamente.

Em 1964 havia uma confusão dos diabos. O nome mais certo do que ocorreu ali é contragolpe. Havia uma disputa de golpes, e os militares fizeram um golpe antes que a esquerda o fizesse. Mas depois houve uma série de problemas, coisas que qualquer liberal abomina. 

Acha que Bolsonaro também abomina? 
Não sei a opinião de Bolsonaro, mas a doutrina liberal é muita clara nesse sentido. Somos contra o autoritarismo, defendemos o devido processo legal. Nunca pode haver tortura, agressão do Estado.

Somos contra esses excessos, contra qualquer arbitrariedade. Mas não vejo nenhum risco de Bolsonaro implementar qualquer coisa nesta direção. 

Tive uma discussão recente nas redes sociais sobre essa questão de que uma pessoa portando um fuzil, uma arma de fogo, poderia ser morta pela polícia mesmo que não haja situação de confronto. É a proposta do governador eleito do Rio, Wilson Witzel (PSC). Eu sou contra, como qualquer liberal deveria ser contra. Se não há ameaça, passa a ser um assassinato.

Teremos um governo de direita no próximo ano. Mas temos um partido de direita no país? 
Não está muito claro ainda isso. O processo está em curso. Temos o Novo, um partido liberal, que vem crescendo. O PSL fez grande bancada no Congresso Nacional, mas mal começou de verdade. A força dele veio toda de Bolsonaro. 

Este é o melhor momento para a propagação das ideias liberais no país? 
Em termos de vontade de fazer, não há dúvida. A segunda variável é a vontade política de isso ser efetivado. Não depende só da equipe econômica.

Em termos sociais, de fato o marxismo cultural venceu, está na mente das pessoas. Mas estamos avançando porque fazemos uma batalha de ideias que nunca houve no país. Olavo de Carvalho e o Instituto Mises foram os primeiros a confrontar o marxismo cultural aqui. 

Nossas ideias antes eram consideradas inviáveis. Agora passaram a ser até aceitáveis para a população. Daqui a pouco vão ficar bastante razoáveis [risos]. Fico feliz. São mais de dez anos de batalha. O resultado começa a emergir —e o que vemos é apenas a ponta do iceberg.

O que o pensamento de Ludwig von Mises, homenageado por seu instituto, tem a contribuir para o Brasil?Estudá-lo é importante para entender o governo, a ação humana. Entender que apenas a livre associação das pessoas funciona. Não há nada mais eficiente do que a livre iniciativa das pessoas em busca de seus ideais de autorrealização. Isso gera prosperidade, emprego, felicidade. Essa é a lição fundamental para o Brasil de hoje.  

 

RAIO-X
Helio Beltrão, 51, é graduado em finanças com MBA pela  Universidade de Columbia, em Nova York. É fundador-presidente do Instituto Mises Brasil, voltado aos princípios de  livre mercado e de uma sociedade livre. Seu pai, Hélio Marcos Penna Beltrão, foi ministro do Planejamento (governo Costa e Silva) e da Desburocratização (João Figueiredo)


Escola austríaca

O economista Ludwig von Mises, homenageado pelo instituto criado por Helio Beltrão, foi o principal expoente da Escola Austríaca. Confira os fundamentos dessa escola de pensamento econômico: 

Individualismo metodológico 
Cada pessoa tem sua ação pessoal, sua mentalidade. Devemos olhar as partes constituintes do todo e a partir delas chegar a conclusões

Propriedade privada
Condição necessária para o pensamento econômico racional

Livre Mercado
O mercado é um processo de descoberta empreendedora e de avanço social

Ordem espontânea
Instituições sociais relevantes muitas vezes resultam de ações humanas, não do planejamen-to humano. A ordem espontânea é o melhor arranjo para a liberdade, a prosperidade e a coesão social

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