Veteranos do MP-SP viram assessores de 'missões políticas' de chefe do órgão

Em fim de carreira, ex-membros da entidade têm sido designados para tarefas externas por alguns meses

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São Paulo

Filiado ao PSDB e ex-secretário dos governos Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB), o procurador de Justiça Saulo de Castro voltou à política neste ano, sem precisar deixar o Ministério Público de São Paulo.

Sob convocação do chefe do Ministério Público de São Paulo, o procurador-geral Gianpaolo Smanio, ele passou três meses auxiliando o órgão nas negociações da reforma da Previdência, inclusive em Brasília.

Foi o único período de trabalho que ele teve este ano. Fora do Executivo desde que João Doria (PSDB) assumiu o governo, em 1º de janeiro, Saulo se reapresentou ao MP, pediu uma licença e só retornou no dia 6 de abril, quando foi nomeado assessor do gabinete de Smanio para participar da negociação da Previdência.

Em 1º de julho, depois de terminar sua missão institucional, voltou a se licenciar por mais um mês.

Assim como Saulo, outros membros do MP-SP em fim de carreira e com bom trânsito em associações de classe ou na política têm sido escolhidos pelo procurador-geral para ocupar o posto de assessor de gabinete por alguns meses, sob a justificativa de que podem resolver situações específicas.

Com mandato de dois anos, o procurador-geral é nomeado pelo governador do estado. Smanio chegou ao posto após escolha de Alckmin em lista tríplice de 2016 e depois foi reconduzido para mais dois anos por França.

Oficialmente, os procuradores (que ocupam o equivalente à segunda instância, acima dos promotores) são escolhidos pelo procurador-geral para “exercer as funções de assessor junto ao seu gabinete, bem como para receber citações, notificações e intimações dirigidas” ao MP-SP e a Smanio.

Integrantes da instituição ouvidos pela Folha sob a condição de anonimato relataram incômodo com a situação e disseram que os nomeados desempenham função meramente protocolar. A atividade, considerada simples, garante adicional no salário —a não ser que o procurador já ganhe o teto da carreira.

Saulo de Castro, além de auxiliar Smanio em pautas de interesse do MP-SP, o representava em eventos.

Em maio, ele viajou com o chefe a Brasília para defender as demandas da categoria na reforma da Previdência. À época, Smanio se reuniu, por exemplo, com o deputado federal Samuel Moreira (PSDB), relator do projeto na Câmara.

O desligamento do posto, em 1º de julho, ocorreu, segundo o Diário Oficial, a pedido do próprio Saulo.
Desde então, Saulo cumpre um período de licença-prêmio de 30 dias. Segundo colegas, o afastamento temporário é indicativo de que sua aposentadoria pode estar próxima. Ele é servidor do Ministério Público desde 1987.

Nas normas do MP-SP, se um dos seus membros entrou na entidade antes da Constituição de 1988, pode deixar o cargo para se tornar secretário de estado e, em seguida, retornar às suas funções.

O ex-secretário Saulo de Castro, procurador do Ministério Público de São Paulo - Márcia Ribeiro - 10.dez.2017/Folhapress

Há outros casos em que Smanio se aproveitou dos procuradores com histórico político interno para o seu gabinete. Em alguns casos, foi a última função deles antes de se aposentarem e passarem a advogar.

Antes de Saulo, quem estava nomeado para a função de assessor era Márcio Elias Rosa. Influente nos bastidores, ele foi procurador-geral de Justiça de 2012 a 2016.

Após deixar a chefia do MP-SP, Elias Rosa foi nomeado secretário estadual de Justiça pelo então governador Alckmin. Foi mantido por França à frente da pasta e apoiou o pessebista na campanha pela reeleição em 2018, da qual saiu derrotado por Doria no segundo turno.

Com o fim da gestão de França, Elias Rosa voltou ao Ministério Público, onde havia iniciado a carreira em 1986. Em 1º de fevereiro deste ano, ele se tornou assessor de Smanio responsável por receber citações, notificações e intimações.

Ficou na função por dois meses —sua dispensa do cargo e o anúncio de sua aposentadoria foram publicadas no mesmo dia, 4 de abril.

Uma semana depois de se aposentar, Elias Rosa se inscreveu na seccional paulista da OAB, primeiro passo para poder trabalhar como advogado. Na mesma época, ele se tornou sócio de Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da República, em um novo escritório de advocacia.

“Ele me pediu para fazer a representação do MP junto ao Conselho Nacional dos Procuradores-Gerais. Mas não fiz interlocuções junto ao Congresso para questões orçamentárias, porque me sentia impedido para isso”, afirmou Elias Rosa à Folha.

Também viraram assessores de Smanio colegas que exerciam papel de liderança dentro da instituição e em colegiados da área jurídica.

De maio a junho de 2018, o então procurador Felipe Locke Cavalcanti trabalhou ao lado do procurador-geral até se aposentar e, em seguida, passar a advogar. Segundo ele, sua função não foi política, mas técnica.

“Estive com doutor Smanio por cerca de 15 dias para resolver um problema pontual no concurso de ingresso [ao MP]. Antes de ocupar essa última função no Ministério Público eu fui escolhido no Conselho Superior para ocupar a banca de concurso”, afirma o ex-procurador.

“Um candidato de outro estado se insurgiu contra o resultado e fez uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público questionando a imparcialidade da banca, dizendo que nós estaríamos beneficiando os candidatos de São Paulo em detrimento dos candidatos de outro estados”, disse Locke. 

“A posse foi suspensa e o doutor Smanio me pediu que atuasse no conselho para que pudesse defender o Ministério Público de São Paulo no concurso de ingresso, até porque eu havia feito parte da banca do concurso.”

Locke e Rosa afirmam que não receberam adicionais pela função e que já poderiam se aposentar antes de ocupá-la. Ambos afirmam que cumprem quarentena de três anos prevista na Constituição e não atuam no TJ-SP em processos relacionados aos temas que tratavam quando eram procuradores.

Com perfil de líder, Locke já quase virou chefe do MP-SP. Em 2012, ele foi o primeiro colocado na lista tríplice de candidatos enviada a Alckmin, após receber a maior votação entre seus pares. O então governador, no entanto, optou por nomear o segundo colocado da eleição, Elias Rosa.

No ano seguinte, Locke passou a presidir a Associação Paulista do Ministério Público, onde permaneceu até 2016. Entre 2007 e 2011, foi conselheiro do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Outro membro do MP-SP que passou por um colegiado nacional e foi designado por Smanio para a tarefa em seu gabinete é o procurador José Carlos Cosenzo.

Presidente da Conamp (Associação Nacional dos Membros do Ministério Público) entre 2006 e 2010, Cosenzo é incumbido de receber citações para o chefe do MP-SP desde janeiro de 2017.

Em junho deste ano, foi promovido a procurador e mantido na função especial. Cosenzo também é chefe da Coordenadoria de Assuntos Estratégicos do MP-SP.

A folha de pagamento mais recente disponibilizada pelo MP-SP, de maio, mostra que tanto Saulo (que ainda era assessor) quanto Cosenzo (que continua nomeado) receberam, cada um, bonificação de R$ 1.335, referentes a função de confiança ou cargo em comissão. 

Saulo teve naquele mês um rendimento líquido total de R$ 65.162. Cosenzo foi remunerado com R$ 28.432. Ambos receberam ainda auxílio-alimentação de R$ 920.

Membros do MP-SP dizem que a assessoria a Smanio tem uma característica eminentemente política, já que o trabalho em si é praticamente simbólico.

Quando faz as designações para o posto, o procurador-geral determina que os selecionados desempenhem a tarefa “com prejuízo de suas atribuições normais”, o que significa que não precisam realizar as atividades de suas funções originais.

Chefe do Ministério Público de São Paulo, procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio
Chefe do Ministério Público de São Paulo, procurador-geral de Justiça Gianpaolo Smanio - Reinaldo Canato/Folhapress

Nomeações seguem critérios técnicos, diz MP

Procurado, o Ministério Público de São Paulo afirmou em nota que os assessores “desempenham inúmeras funções, tais como a elaboração de notas técnicas, estudos jurídicos e pareceres”.

Uma delas, prevista na Lei Orgânica do MP-SP, “consta que compete ao procurador-geral de Justiça tratar diretamente com os Poderes do Estado dos assuntos de interesse do Ministério Público”. “Para tanto, o procurador-geral é auxiliado por assessores, nos termos do que estabelece a legislação em vigor.” 

“Essa atuação institucional —e não política, como equivocadamente o jornal a classifica— junto aos Poderes de Estado resulta em grandes serviços prestados à sociedade brasileira”, diz o comunicado, citando que o crime de importunação sexual foi incorporado ao Código Penal após sugestão encaminhada ao Legislativo pelo MP-SP.

As funções dos membros da instituição para integrar a assessoria, segundo a nota, seguem critérios técnicos, como experiência e preparo profissional para o desempenho das funções. 

No caso de Saulo de Castro, o Ministério Público diz que, “por conta de sua longa experiência no Executivo e nas questões legislativas, desempenhou papel importantíssimo nas negociações em Brasília acerca da reforma da Previdência em nome da instituição, tendo retornado ao seu cargo na Procuradoria de Justiça de Habeas Corpus, onde permanece na ativa, assim que o relatório foi apresentado na Comissão Especial da Câmara”.

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