Para auditores, pressão de governo sobre a Receita visa proteger políticos

Representantes da categoria dizem estranhar que interferência venha do Planalto

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Brasília

A interferência do presidente Jair Bolsonaro no dia a dia da Receita Federal e os ataques ao órgão têm o objetivo de limitar a atuação sobre políticos, avaliam associações de auditores fiscais.

Hoje, a Receita não precisa de autorização para procurar por irregularidades nas contas de qualquer brasileiro.

Sede da Receita Federal, em Brasília
Sede da Receita Federal, em Brasília - Sergio Lima - 8.mar.12/Folhapress

Mas as entidades acreditam que o pano de fundo da crise gerada pelo governo é criar uma barreira às investigações envolvendo quem ocupa cargos políticos e que, no Judiciário, tem foro especial.

Surpreendeu a categoria o fato de que, dessa vez, o movimento parte do centro do governo, na esteira da pressão de Bolsonaro por substituições dentro da Polícia Federal.

Segundo o presidente do Sindifisco (sindicato nacional dos auditores fiscais da Receita), Kleber Cabral, o uso de posições de influência —deputados e empresários— para forçar uma troca de cargo no órgão sempre existiu.

"Mas o ministro [da Economia] ou o próprio presidente têm que segurar a pressão. A pior notícia é que a pressão vem do presidente. A existência de pressão é quase rotina. O que é estranho é a pressão se concretizar de forma escancarada", afirma. 

Além da tentativa de intervenção em cargos da Receita, o governo passou a estudar mudanças na estrutura do órgão, que poderia ser fatiado e ter regras flexibilizadas para que funções de chefia possam ser ocupadas por indicações políticas.

Kléber Cabral, do sindicato nacional dos auditores da Receita
Kléber Cabral, do sindicato nacional dos auditores da Receita - Danilo Verpa - 17.dez.15/Folhapress

Isso permitiria um aparelhamento do órgão de controle, criticam entidades ligadas a auditores.

No sábado (17), em mensagem a colegas, o delegado da alfândega do Porto de Itaguaí, José Alex Nóbrega de Oliveira, expôs o embate por posições estratégicas na região metropolitana do Rio de Janeiro.

Ele declarou ter sido surpreendido há cerca de três semanas, quando o superintendente da Receita no Rio de Janeiro, Mario Dehon, o teria informado de que havia uma indicação política para assumir a alfândega do porto.

Segundo a mensagem, Dehon não concordou em substituir Oliveira por um auditor com pouca experiência para o cargo e, agora, está com o cargo ameaçado.

Bolsonaro, que tem reclamado publicamente da atuação da Receita, foi quem fez o pedido para que um auditor do Amazonas ocupasse a vaga de Oliveira.

Procurado, o Planalto ainda não se manifestou.

Desde que assumiu a Presidência, Bolsonaro contesta ações de órgãos de controle para investigar seu núcleo familiar e pessoas próximas: Renato Bolsonaro, irmão do presidente; o senador Flávio Bolsonaro (PSL), filho do presidente; e Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio.

"Quando ele escolheu vir para a vida pública, fazia parte do pacote que toda sua família estaria sujeita a uma maior fiscalização. Ele diz que é perseguição, mas, na verdade, é consequência de tratados internacionais que o Brasil assinou", afirmou o presidente da Unafisco (associação nacional dos auditores fiscais da Receita), Mauro Silva.

Uma convenção das Nações Unidas e chancelada pelo Estado brasileiro prevê que, para combater a corrupção, as fiscalizações de quem ocupa cargos políticos precisam estar no rol de ações prioritárias.

São as chamadas pessoas politicamente expostas, como deputados, governadores, ministros e chefes de Estado, além dos familiares deles.

As entidades argumentam que a apuração de indícios de irregularidades de pessoas próximas de políticos é parte das obrigações da Receita e que, em governos anteriores, esse tipo de atuação também foi criticada, como nas investigações envolvendo o Instituto Lula.

Mas, à época, o governo petista não teria reagido de forma tão explícita e autoritária, afirmam os auditores.

Silva disse que, se a interferência nos cargos no Rio de Janeiro for efetivada, poderá haver uma paralisação na Receita —não está descartada uma entrega de cargos em massa.

Desde 2017, a Receita criou um grupo para cuidar especialmente da análise fiscal de cargos políticos.

Diante das investigações da Lava Jato, a ideia era deixar de ter uma postura reativa —só agir após solicitações do Ministério Público, por exemplo— e passar a ter uma posição mais ativa em busca de crimes fiscais.

O resultado desse trabalho, segundo o Sindifisco e a Unafisco, deflagrou uma onda de ataques ao órgão.

"Nossa leitura é que as coisas estão concatenadas. Não se pretende blindar a Receita de pressões políticas, mas sim de algo para impedir que a Receita chegue aos poderosos", declarou Cabral.

Eventual projeto para mudar a estrutura da Receita precisa passar pelo Congresso. A proposta deve partir do Executivo e tem apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

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