Após Dersa, Doria quer acabar com outra estatal alvo de investigação em SP

Estatal fabricante de remédios (Furp) é alvo de CPI na Assembleia e de delação premiada

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São Paulo

Após ter conseguido aprovar na Assembleia a extinção da Dersa, estatal paulista sob suspeita de corrupção em obras viárias em gestões tucanas, o governador João Doria (PSDB) estuda acabar também com outra empresa pública citada em delação premiada e alvo de CPI.

A Furp (Fundação para o Remédio Popular) será incluída em uma leva de desestatização e extinção prevista para este ano e que inclui outras entidades da área de saúde, como a Fosp (Fundação Oncocentro de São Paulo) e a Sucen (Superintendência de Controle de Endemias).

Atualmente, o governo Doria tem maioria folgada na Assembleia para aprovar seus projetos. Principalmente quando esse tratam de enxugar o estado, pauta que tem respaldo de partidos que se declaram independentes, como Novo e PSL (maior bancada da Casa, com 15 dos 94 deputados).

No começo deste ano, a base do governo conseguiu barrar a instalação de uma CPI que investigasse a Dersa. Como "plano B", oposicionistas e deputados independentes pretendiam usar a CPI da Furp para levantar eventuais irregularidades dos governos do PSDB no estado. 

A Furp, que é a maior fabricante pública de remédios do país, tornou-se um imbróglio para a gestão Doria por causa de uma PPP (parceria público-privada) desvantajosa e por suspeita de pagamento de propina.

Como a Folha mostrou, mesmo antes de ter sua extinção aprovada pelos deputados, a Dersa já vinha sendo esvaziada pela gestão Doria. A Furp também é alvo de desmonte. Seus funcionários temem demissões e a paralisação da produção de medicamentos importantes.

Em delação firmada com o Ministério Público de São Paulo, mantida sob sigilo, os executivos da Camargo Corrêa Martin Wende e Emílio Eugênio Auler Neto afirmaram, em 2017, que houve pagamento de propina a representantes do governo de 2008 a 2013, relativa à obra da fábrica de Américo Brasiliense (SP).

Segundo eles, o ex-secretário de Saúde Luiz Roberto Barradas Barata (morto em 2010) recebeu ao menos R$ 1 milhão, em 2008, pela assinatura de um aditivo na obra. Ele atuou nas gestões de José Serra (PSDB) e Geraldo Alckmin (PSDB). 

Já o ex-superintendente Flávio Vormittag teria recebido em 2013, segundo os relatos, R$ 1,8 milhão para que o governo não recorresse de uma sentença que condenou o estado a pagar mais R$ 22 milhões pela obra à construtora. A obra custou R$ 124 milhões e foi concluída em 2009. À CPI Vormittag reconheceu que o estado não recorreu do pagamento.

Em 2013, sob Alckmin, o governo concedeu a gestão, operação e manutenção da fábrica de Américo Brasiliense à iniciativa privada por meio de PPP por 15 anos. A Concessionária Paulista de Medicamentos (CPM), controlada pelo laboratório EMS, seria responsável por investir R$ 130 milhões e produzir 96 tipos de remédios.

Atualmente, a fábrica opera com 25% da capacidade, produz 14 medicamentos e recebe R$ 90 milhões anuais do governo. A Secretaria de Saúde, porém, calcula que gastaria R$ 34 milhões para comprar os mesmos remédios no setor privado, ou seja, há um prejuízo de R$ 56 milhões todos os anos para o Tesouro.

Reunião de instalação da CPI da Furp na Assembleia Legislativa de SP, com o presidente Edimir Chedid (DEM) à mesa
Reunião de instalação da CPI da Furp na Assembleia Legislativa de SP, com o presidente Edimir Chedid (DEM) à mesa - Carol Jacob/Divulgação Assembleia Legislativa de São Paulo

Desde 2015, quando a fábrica de Américo Brasiliense começou a operar, os cofres públicos já cobriram R$ 70 milhões de dívidas da Furp, que ainda deve cerca de R$ 110 milhões, segundo a CPI. No início do mês, a CPI aprovou a quebra do sigilo telefônico de três ex-dirigentes da Furp, incluindo Vormittag.

Para o governo Doria, a extinção ou privatização da fundação, cuja proposta será enviada à Assembleia, é uma forma de sanar esses problemas que recaem sobre gestões tucanas. Já deputados que fazem parte da CPI da Furp defendem a manutenção da entidade, que tem mil funcionários.

“O governo paulista tem promovido, ao longo dos anos, e esse governo aprofundou isso, um sucateamento dessas instituições. Há casos de remédio que está pronto, mas não vai porque não tem a caixa ou a bula”, diz a deputada Beth Sahão (PT), que faz oposição a Doria.

Embora a petista considere a situação da Furp diferente daquela da Dersa, pois há mais problemas de gestão do que escândalos de corrupção rumorosos, ela diz que, nos dois casos, “tem convicção de que é conveniente para o governo acabar com os órgãos”.

Já o deputado Edmir Chedid (DEM), que preside a CPI, não acredita que o governo Doria esteja tentando empurrar a Furp para debaixo do tapete. “Há um esforço da nova diretoria. Uma movimentação para tentar produzir e vender mais”, diz.

Chedid, porém, considera que a PPP foi um erro. “É um grande problema que o estado tem na mão faz tempo e não resolveu até agora. Queremos saber o porquê”, diz. 

A oposição a Doria na Assembleia também se organiza para resistir a mudanças no Oncocentro e na Sucen. No Oncocentro, os cerca de 90 funcionários já foram avisados de que o órgão será desmobilizado. A direção da Sucen já admitiu a deputados que a intenção é extinguir a autarquia e transformá-la num departamento subordinado à Secretaria de Saúde. 

OUTRO LADO 

Em nota, a Secretaria de Saúde diz que está à disposição para colaborar com as investigações em relação à Furp. 

A respeito da desestatização, o governo afirma que "estuda a extinção e/ou privatização de empresas e fundações estatais, considerando tecnicamente a necessidade de otimizar recursos do estado com eficiência e sem nenhum prejuízo na prestação dos serviços públicos para a população". 

A pasta diz buscar alternativas para as fábricas da Furp. "Qualquer medida que venha a ser adotada priorizará a garantia do fornecimento gratuito dos medicamentos à população e, até o momento, não há qualquer definição quanto a mudanças."

O ex-superintendente Vormittag não foi localizado pela reportagem.

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