Regra que veta prisão até se esgotarem todos os recursos já teve apoio suprapartidário

Artigo é fruto de projeto que tramitou por 10 anos no Congresso e agora está no centro de debate no Supremo

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Brasília

​Centro da controvérsia sobre a prisão de condenados em segunda instância, em debate no STF (Supremo Tribunal Federal), o artigo do Código de Processo Penal que diz que um condenado só pode ser preso após o trânsito em julgado (o fim dos recursos) é fruto de um projeto de lei que tramitou por dez anos no Congresso e teve apoio de vários partidos e grupos políticos.

O projeto chegou à Câmara em março de 2001 por iniciativa do então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB). Seu objetivo era reformar o código, de 1941, adequando-o à Constituição de 1988. O texto nasceu de uma comissão instituída em 2000 pelo então ministro da Justiça, José Carlos Dias.

Para o jurista Miguel Reale Júnior, que integrou a comissão, naquela época havia um espírito mais garantista, voltado aos direitos do cidadão frente ao Estado-acusador. Ao longo do tempo, porém, Reale Júnior mudou de opinião.

“Acho que teria que haver uma ponderação, uma regulamentação específica facilitando que houvesse a possibilidade do cumprimento da pena em outras circunstâncias, diante da gravidade do fato. Mas isso não está em discussão. Então, mantenho a posição no sentido do que está disposto no Código de Processo Penal.”

Aquela era a segunda vez que o Ministério da Justiça se debruçava sobre a reforma da legislação. Em 1994, no governo Itamar Franco, outra comissão já havia elaborado propostas para atualizar o Código de Processo Penal à luz da nova Constituição. A nova comissão apreciou o trabalho da anterior.

O polêmico artigo 283 já constava do projeto original enviado por FHC ao Congresso tal como foi aprovado pelos parlamentares dez anos depois, em 2011. Coube a Dilma Rousseff (PT) sancionar a lei.

O artigo 283 diz que ninguém pode ser preso exceto em flagrante ou se houver “sentença condenatória transitada em julgado”, ou no curso da investigação se houver algum risco para a aplicação da lei ou ameaça à ordem pública (caso das prisões temporária e preventiva).

Com o projeto, FHC enviou uma mensagem ao Congresso explicando os motivos das mudanças propostas. “Fora do âmbito da prisão cautelar, só é prevista a prisão por força de sentença condenatória definitiva”, afirmou. “Com isso, revogam-se as disposições que permitiam a prisão em decorrência de sentença condenatória [de segundo grau], objeto de crítica da doutrina porque representavam antecipação da pena, ofendendo o princípio constitucional da presunção da inocência (art. 5º da Constituição).”

Este artigo diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.

O projeto de lei —que, além do 283, alterava outros 27 artigos do código— foi aprovado pelos deputados e enviado ao Senado em 2008. No ano seguinte, voltou à Câmara por ter sido modificado pelos senadores. A cabeça do artigo 283, motivo da polêmica atual, se manteve intacta.

Na Câmara, o texto teve pareceres favoráveis dos relatores na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), o então deputado José Eduardo Cardozo (PT-SP), e na Comissão de Segurança Pública, o deputado João Campos (à época no PSDB, hoje no Republicanos-GO), que é delegado.

“Ninguém levantava que não fosse assim [prisão após o trânsito em julgado]. Não me lembro de terem defendido tese oposta. Na época, por força da redação da Constituição, isso era claro. As polêmicas se deram em outros aspectos do projeto. Esse aspecto [sobre o momento da prisão após condenação] não teve polêmica acentuada”, disse Cardozo à reportagem.

Conforme pesquisas em notícias da época e no site da Câmara, a reforma do código gerou muita discussão, mas sobretudo por causa de questões ligadas à prisão preventiva, e não pelo momento de executar a pena de um condenado.

“[A reforma] foi uma construção suprapartidária e fruto de um entendimento entre todas as categorias de operadores do direito”, afirmou Cardozo.

A Folha não conseguiu contato com o deputado João Campos, relator do projeto na Comissão de Segurança Pública. Em 2009, em seu parecer favorável ao texto, ele escreveu que “o projeto adéqua o art. 283 à Constituição, posto que estabelece as circunstâncias em que o indivíduo poderá ser preso”.

Em 2009, antes mesmo de a mudança entrar em vigor, o Supremo alterou a jurisprudência vigente e proibiu a prisão de condenados em segunda instância. A proibição valeu até 2016, quando o tribunal mudou de novo o entendimento e voltou a autorizar a execução da pena antes do esgotamento dos recursos.

Foi então que o partido Patriota (antigo PEN), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o PC do B ajuizaram as três ações que o Supremo julga agora. Elas pedem para os ministros declararem constitucional o artigo 283 do código, a fim de proibir a execução antecipada da pena.

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