Justiça Eleitoral trava investigação sobre supostas 40 candidatas-laranjas em SP

Investigadores suspeitam do valor gasto pelas campanhas femininas e do baixo número de votos recebidos

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São Paulo

A Procuradoria Regional Eleitoral de São Paulo investiga 40 candidatas a deputada estadual e federal suspeitas de terem sido laranjas nas eleições de 2018. A apuração se baseia na prestação de contas das candidatas nas quais foram detectadas possíveis fraudes com a finalidade de cumprir a cota feminina de 30% estabelecida por lei.

São investigadas candidatas dos partidos Democratas (2), MDB (3), Patriota (4), Podemos (2), PP (2), PPL, (1), PR (9), PRB (4), PROS (2), PSDB (1), PT (1) e Solidariedade (9), que somam R$ 7,3 milhões em gastos de campanha. A maioria dos pedidos de impugnação das contas foi feito com base na relação entre o valor declarado e o número de votos. 

A investigação, porém, sofreu um revés no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) paulista. O desembargador Nuevo Campos indeferiu o pedido da Procuradoria para que Marta Lívia, candidata a deputada federal pelo MDB, fosse ouvida. A decisão foi apoiada pelo juiz Nelton Agnaldo Moraes dos Santos em voto vista. 

Deputadas pedem mais participação das mulheres na política - Pedro Ladeira - 16.jun.2015/Folhapress

Então procurador regional eleitoral substituto, Pedro Barbosa Pereira Neto –que renunciou em protesto pela não nomeação, pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, de Eduardo Pelella para o cargo de procurador eleitoral substituto– defendia uma investigação mais aprofundada da prestação de contas desta e das outras 39 candidatas.

"Não estou dizendo que nessas 40 teve [fraude]”, diz. “A gente precisa fazer uma apuração para saber o que aconteceu com a candidatura. É isso mesmo? O seu insucesso faz parte da vida política ou tinha cacique por trás?”

No voto, o juiz Santos afirma que a intenção de a Procuradoria realizar a investigação no próprio processo de prestação de contas, segundo a resolução do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) 23.553/17, seria "inadequada".

Sobre a atuação do Ministério Público Eleitoral, a resolução diz que cabe ao órgão "requisitar à autoridade policial a instauração de inquérito" e "requisitar informações a candidatos, partidos políticos, doadores, fornecedores e a terceiros para a apuração dos fatos, além de determinar outras diligências que julgar necessárias".

Não deixa claro, no entanto, se investigações poderiam ser aprofundadas dentro do processo de prestação de contas.

As apurações começaram a partir de indícios de irregularidades na prestação de contas. "Um dado que chamou muito a atenção da doutora Vera Taberti [promotora de Justiça que trabalhou na Procuradoria investigando o cumprimento de cota feminina] é a relação entre dinheiro e o sucesso de campanha”, explica o procurador.

“Não necessariamente a pessoa que tenha mais dinheiro vai ganhar a eleição, mas o dinheiro é algo fundamental”, complementa, citando que há estudos acadêmicos que fortalecem a tese.

Uma dessas pesquisas é “O Preço do Poder: Financiamento de Campanha e Voto no Brasil”, realizado em 2014, no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso. Os pesquisadores analisaram os gastos de campanha de deputados estaduais/distritais, federais e senadores nas eleições daquele ano.

“Ao analisar os casos divididos por cargos, ficou demonstrado forte associação e dependência entre os votos recebidos pelos candidatos e gastos da campanha”, afirma o estudo.

Nas eleições para cargos legislativos em 2018, a média de investimento em campanhas femininas foi R$ 6,83 por voto, e nenhuma candidata eleita teve mais do que o dobro desse valor aplicado.

Entre as impugnações em curso, há casos como o da candidata a deputada estadual Aparecida Custódio dos Santos, que concorreu pelo PRB, que declarou ter gasto R$ 595.234,13 na campanha, mas obteve 507 votos. É o mais alto coeficiente dos processos, de R$ 1.174,03 por voto.

“A partir dessa perspectiva de muito dinheiro e pouco voto ser um indício, estamos procurando fazer uma diligência mais aprofundada nessas prestações para pelo menos conseguir que o dinheiro público seja devidamente devolvido ao Tesouro Nacional”, afirma Neto.

Outro alerta para as possíveis candidaturas de laranjas foi a relação entre o dinheiro gasto em pessoal e em gráfica. Nesse caso, há algumas possibilidades de fraude, como a impressão de santinhos na verba de uma candidata, mas que sai com a propaganda de outro ou outra, e os colaboradores não terem trabalhado de fato para quem declarou sua contratação.

“Formalmente, ela está cumprindo o que determina o fundo partidário, mas, ao fim e ao cabo, está beneficiando uma candidatura que não de gênero”, diz Neto.

Um dos desafios para que as impugnações avancem é o fato de TRE ver a prestação de contas como uma formalidade. Ou seja, se os documentos apresentados conferem com o valor declarado, a prestação é validada. O entendimento da Procuradoria, no entanto, é que uma investigação mais aprofundada se faz necessária.

“Num universo de 4.000 candidaturas, se for apurar todas as prestações de contas, inviabiliza a Justiça Eleitoral. Não é nosso objetivo”, diz. “Só que se um vídeo foi declarado por um candidato, mas fala de outro, há uma fraude. Não é função deles [investigar], ok, mas por isso a gente precisa apurar.”

E caso as investigações avancem e as fraudes sejam comprovadas, o valor precisa ser ressarcido ao Tesouro Nacional. No entanto, numa eventual descoberta de fraude maior que justificaria a impugnação do mandato, não será possível entrar com uma ação, o que só pode ser feito até o prazo estabelecido pelo TSE, no início de janeiro.

Neste ano, a Procuradoria entrou com quatro AIMEs (Ações de Impugnação de Mandato Eletivo) por suspeita de candidatura de laranja, como publicou o jornal O Estado de S. Paulo em março.

São investigados nessas ações os deputados federais por São Paulo Marco Feliciano (PODE), Renata Abreu (PODE), Roberto de Lucena (PODE) e Paulinho da Força (SD). Também estão na lista seis deputados estaduais do Podemos (4), Patriotas (1) e Solidariedade (1).

Há a expectativa de julgamento das ações ainda este ano. Em AIMEs, há a dificuldade de avançar no processo, pois, por uma jurisprudência dos tribunais eleitorais, é preciso incluir todos do mandato na mesma ação —inclusive suplentes. É considerado suplente qualquer pessoa que tenha obtido votos no pleito, o que faz com que cada ação tenha em torno de 400 pessoas envolvidas.

Ainda assim, como foi autorizada a citação dessas pessoas por meio de edital, é provável que o processo ganhe mais celeridade.

Investigada, Renata Abreu é autora de um projeto de lei na Câmara que esvazia as cotas femininas. Segundo afirmou à Folha, no início de setembro, a motivação é pela dificuldade de os partidos conseguirem cumprir a norma. O projeto está na Câmara de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Para o procurador, é complicado derrubar a cota feminina. “A gente nem sequer conseguiu implementá-la e estamos longe de implementar”, diz. “A cota muda um pouco o paradigma quando se tem dinheiro público porque a obrigação do Estado de fiscalizar isso com rigor é absolutamente intuitiva.” 

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do que foi publicado anteriormente, a decisão no TRE-SP foi do desembargador Nuevo Campos. O juiz Nelton Agnaldo Moraes dos Santos apoiou a decisão em voto vista. O texto foi corrigido.

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