Descrição de chapéu Entrevista da 2ª

Senado deveria servir como freio para os abusos do STF, diz chefe da Lava Jato no Rio

Procurador Eduardo El Hage critica atuação de Bolsonaro no combate à corrupção e diz que saída de Moro afetou a operação

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Rio de Janeiro

O procurador Eduardo El Hage, 39, coordenador da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, diz esperar que o Senado atue como um contrapeso ao que classifica como abusos do STF (Supremo Tribunal Federal).

A declaração faz referência à decisão do ministro Dias Toffoli, presidente da corte, de solicitar ao Banco Central todos relatórios com informações sigilosas produzidas pelo antigo Coaf (hoje Unidade de Inteligência Financeira) nos últimos três anos.

A requisição envolve dados de 412,5 mil pessoas físicas e 186,2 mil jurídicas, além de informações da Receita Federal.

“Como falar de um poder moderador que, de um lado, emite sinais muito violadores de garantias fundamentais e, de outro, se pinta como tribunal garantista?”, disse El Hage.

O procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no RJ
O procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no RJ - Raquel Cunha/Folhapress

O procurador não quis comentar o conteúdo das mensagens vazadas do colega Deltan Dallagnol que colocaram em xeque a condução da Lava Jato curitibana. Admitiu, contudo, prejuízo à imagem da operação com a ida do ex-juiz federal Sergio Moro para o Ministério da Justiça do governo de Jair Bolsonaro.

Três anos após pedir a prisão do ex-governador Sérgio Cabral (RJ), El Hage considera que sua força-tarefa ainda é tratada como “primo pobre”.

Em entrevista à Folha, afirma ser necessário ampliar a equipe para aprofundar as investigações sobre os doleiros do país e apurar a responsabilidade de bancos no processo de lavagem de dinheiro.

As mudanças de interpretação do Supremo abrem brecha para a soltura do ex-governador Sérgio CabralRisco sempre há. Vivemos momentos de muita insegurança jurídica. Alguns preceitos que entendíamos como muito bem assentados no direito brasileiro estão sendo subvertidos de maneira muita abrupta.

Ele almeja uma delação com a Polícia Federal. Como a Procuradoria vê essa possibilidade? Somos contrários a uma colaboração premiada do ex-governador Sérgio Cabral. Ele teria muito pouco a acrescentar nesse momento. Não seria uma resposta que o Ministério Público Federal gostaria de dar à sociedade.

Na sua avaliação, o que levou a esse movimento de enfraquecimento da Operação Lava Jato? Difícil saber o que levou. É um movimento orquestrado que não se resume ao aspecto judicial. Vem com a lei do abuso de autoridade, a decisão que redefiniu a ordem das alegações finais, a suspensão das investigações que tinham por base relatórios do Coaf [atual UIF], o envio de crimes de corrupção para a Justiça eleitoral. Por fim, a decisão que impediu o cumprimento da pena em segunda instância.

A maior parte dessa lista são de decisões do Supremo. Passa também pelo Poder Executivo, quando mexeu na configuração do Coaf [neste ano, o órgão já esteve sob a guarda do Ministério da Economia e da Justiça. Atualmente está com o Banco Central]. Ele sempre foi uma das principais armas de nossas investigações seguindo o modelo internacional. O modelo de investigação começou a ser desmontado.

O próprio presidente Bolsonaro, que foi eleito com uma bandeira de combate à corrupção e à impunidade, muito pouco fez nesse primeiro ano de governo nessa pauta. Ele poderia estar fazendo movimentações no Congresso pela prisão [após condenação] em segunda instância. 

Houve também uma interferência na troca de superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, quando isso não é geralmente pauta de presidente da República.

O sr. esperava que Moro tivesse mais força para evitar esses retrocessos? Não estou perto desse ambiente de Brasília. Mas esperava que ele tivesse mais poder e força política para implementar as medidas que ele estava propondo.

A ida de Moro ao governo Bolsonaro criou uma associação entre a Lava Jato e Bolsonaro. Foi prejudicial? Para a imagem da operação, diria que sim. Foi uma escolha legítima, lícita. Ele [Moro] é totalmente livre para fazer essa escolha, mas acabou associando a imagem da operação com o governo Bolsonaro, que não tem nada a ver. Principalmente aqui no Rio, porque Moro nem sequer era juiz aqui.

A maior parte dos prejuízos que listou são decisões do Supremo. Os ministros têm apresentado essas decisões como uma reação a supostos abusos cometidos nas investigações. É difícil falar que o Supremo está desempenhando um papel moderador porque os sinais que ele emite são muito contraditórios.

O órgão que considera que a inversão da ordem das alegações finais gera nulidade do processo, o que sequer está escrito na lei, é o mesmo que pede 600 mil relatórios de inteligência financeira num processo concreto que está julgando um caso num recurso extraordinário. 

É o mesmo órgão que instaura um inquérito sigiloso sem objeto definido e sem qualquer atribuição para tanto, violando todos os princípios acusatórios, de separar juiz de órgãos de investigação e acusação.

Como falar de um poder moderador que, de um lado, emite sinais muito violadores de garantias fundamentais e, de outro, se pinta como tribunal garantista?

O que move esses sinais contraditórios? Difícil dizer. É um órgão jurídico-político. A gente vê que o Senado, que deveria servir como freio e contrapeso, não tem atuado para conter certos atos do tribunal.

Se um dos Poderes abusa de seus limites, os outros Poderes têm o dever de atuar e servir como contenção. Pouco se vê o Senado, mesmo nesses casos em que transbordam totalmente da competência do Supremo, fazer alguma coisa.

O ministro que disse que o Coaf estava violando o sigilo bancário dos contribuintes é o mesmo que tem acesso a milhões de informações que não têm qualquer pertinência temática com o caso concreto que ele estava analisando.

Uma CPI é um bom instrumento para isso? É o instrumento que o Poder Legislativo possui. Tem que ter um fato concreto.

O caso dos relatórios enviados a Toffoli é concreto para CPI? Não sei. Mas deveria ensejar algum tipo de reação por parte do Legislativo, sim.

O procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no RJ
O procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no RJ - Raquel Cunha/Folhapress

​​​​O sr. vê o novo procurador-geral Augusto Aras como uma pessoa afinada com a Lava Jato? Ainda é prematuro para dizer isso. Estamos esperando apoio para as nossas investigações. A força-tarefa da Lava Jato do Rio é o primo pobre do Ministério Público Federal.

Nossa estrutura é pífia, apesar de termos feito a operação contra o ex-presidente [Michel] Temer, termos prendido um dos maiores doleiros do Brasil, Dario Messer, termos feitos os maiores acordos de colaboração premiada da história da operação.

Apesar de termos investigações em curso contra o sistema financeiro e bancário, não temos qualquer apoio de servidores para analisar as milhares de contas fornecidas por doleiros. Temos cinco sistemas informatizados de doleiros que têm milhares de empresas offshores, milhares de transações.

A operação Câmbio, Desligo [que prendeu mais de 50 doleiros] gerou grande expectativa, mas deu ainda poucos resultados públicos. Se deve a falta de apoio? Temos uma mina de ouro, um diamante bruto a ser lapidado. É impossível, com uma estrutura tão pequena, dar saída a essa quantidade enorme de informação.

Alguns bancos já foram alvo de operações. Qual o papel dessas instituições financeiras na lavagem de dinheiro por esses doleiros? Uma linha de investigação muito forte e principal aqui no Rio para 2020 é como o sistema financeiro bancário no Brasil e no mundo funcionou para fomentar lavagem de dinheiro e corrupção. As colaborações de doleiros já feitas demonstraram que algumas instituições bancárias tinham sistema de compliance muito frouxos, que permitiam que bilhões de reais passassem por suas contas sem qualquer controle.

As mensagens divulgadas do procurador Deltan Dallagnol mostram uma relação indevida entre juiz e procurador? Foi um ataque criminoso. Tem que se apurar quem financiou. O perfil do hacker não era político, estava a serviço de alguém. É quase impossível garantir a autenticidade das mensagens.

Não é negar a realidade, já que nem Deltan nem Moro questionaram o teor delas? Não posso comentar uma troca de mensagens que eu não participei. Alguns jornalistas verificaram a autenticidade das suas próprias mensagens com o Deltan, mas não dá para verificar a autenticidade das mensagens dele com terceiros. 

Pode ser que as mensagens que ele trocou com o jornalista sejam verdadeiras e íntegras, mas as que trocou com outras pessoas podem ter sido alteradas. Quem vai garantir isso? É impossível. Além disso, tem se considerado as mensagens como a única forma de comunicação entre os procuradores, o que não é verdade.

Muitos dos temas foram tratados tanto pelo Telegram como de forma presencial. Outras considerações podem ter sido feitas, inclusive de maneira oposta às que estão nas mensagens. Outras conclusões podem ter surgido.

Deltan tem sido alvo de procedimento que envolvem palestras e outros temas. Isso também afeta a imagem da operação? Deltan é um dos colegas mais capacitados, aguerridos e experientes que o Ministério Público brasileiro tem no combate à corrupção e lavagem de dinheiro. Tenho muito orgulho de tê-lo como colega. Seria antiético tecer considerações sobre a sua conduta.

O procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no RJ
O procurador Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa da Lava Jato no RJ - Raquel Cunha/Folhapress

Eduardo El Hage, 39

Formado em direito pela PUC-Rio, tem mestrado em direitos humanos pela Universidade de Oxford. É procurador da República há 11 anos e coordena a força-tarefa da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro

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