Perfil biográfico reconstitui 'lado solar' de Cásper Líbero sem ignorar casos sombrios

Dácio Nitrini segue os passos do jornalista que modernizou A Gazeta, mas se alinhou a Vargas durante a ditadura do Estado Novo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Oscar Pilagallo
São Paulo

Um dos jornalistas brasileiros mais importantes da primeira metade do século passado, Cásper Líbero (1889-1943) emerge do perfil que lhe traça Dácio Nitrini como um protagonista complexo e multifacetado, para o bem e para o mal.

“Cásper Líbero, Jornalista que Fez Escola”, publicado pela editora Terceiro Nome, conta a história do empreendedor que, inicialmente sem recursos próprios, reergueu A Gazeta a partir de 1918, transformando um jornal moribundo, onde ele trabalhara como repórter policial, no mais vibrante vespertino paulista da época.

O empresário e jornalista Cásper Líbero (D), proprietário do jornal A Gazeta, e o presidente Getúlio Vargas, em data e local desconhecidos
O empresário e jornalista Cásper Líbero (D), proprietário do jornal A Gazeta, e o presidente Getúlio Vargas, em data e local desconhecidos - Acervo/Gazeta Press

O livro, que será lançado nesta quinta-feira (5) em São Paulo, enfatiza o lado solar do publisher. Charmoso e sedutor, o bon vivant Cásper, cercado de escritores modernistas e circulando com desenvoltura na alta sociedade, é o grande responsável por um veículo moderno e influente, além de idealizador de eventos populares como concursos de miss e a corrida de São Silvestre.

O autor, no entanto, não minimiza os aspectos mais sombrios de sua trajetória, quando o oportunismo empresarial falou mais alto do que a convicção política. No auge do prestígio, Cásper esqueceu a ferrenha oposição que fizera a Getúlio Vargas e colocou seu jornal a serviço da ditadura do Estado Novo (1937-1945) em troca de vantagens financeiras.

Ao seguir os passos do jornalista, Nitrini reconstitui, da perspectiva de seu personagem, alguns dos principais eventos da história do Brasil.

Em 1924, quando São Paulo se transformou em palco de guerra, com o conflito armado entre tenentistas e forças leais ao governo federal, a Gazeta e seus jornalistas passaram apuros. O secretário de Redação, Miguel de Arco e Flexa, cujas memórias fornecem farto material a Nitrini, se viu em meio ao fogo cruzado. Deixou sua casa, numa das regiões mais bombardeadas da cidade, e foi acolhido por Cásper.

Quanto ao jornal, deixou de circular durante os 23 dias em que São Paulo esteve tomada pelos rebeldes. Alinhada ao PRP (Partido Republicano Paulista), representante dos interesses das oligarquias que dominaram a Primeira República (1889-1930), a Gazeta criticou duramente os revoltosos, chamando-os em editorial de “caudilhos perigosos”.

Em 1930, o estrago seria bem maior. O jornal defendeu até o fim Júlio Prestes, do PRP, que venceu a eleição presidencial mas acabou sendo derrotado pela revolução liderada pela Aliança Liberal.

Prestes era um dos amigos que deram dinheiro para Cásper comprar a Gazeta. A fidelidade lhe custou caro. “Um grupo de desconhecidos armados, portando porretes e pedras, caminhou rumo ao jornal. O prédio foi atacado, a gráfica totalmente destruída.”

Cásper viveu um autoexílio em Londres, mas voltou no ano seguinte e retomou a direção do jornal, a tempo de se engajar na Revolução Constitucionalista de 1932. Como os outros veículos paulistas, a Gazeta fez propaganda, não jornalismo. Mais uma derrota, mais um exílio.

A imagem de Cásper saiu bem chamuscada do episódio, depois que, ao ser interrogado após um mês de prisão, ele optou por minimizar seu papel como um dos líderes civis do movimento, o que contrastou com a atitude de seus pares, que assumiram integralmente a responsabilidade.

A biografia de Cásper, como mencionado, sofreria abalo ainda maior quando, às vésperas do golpe do Estado Novo, ele acomodou a Gazeta ao ambiente nazifascista que se instalaria no Brasil.

“O pêndulo da história parecia se deslocar para o lado dos regimes autoritários e Cásper, agora distante de qualquer senso crítico sobre a imprensa independente e falta de liberdade, apoiou de maneira voluntária as medidas coercitivas de Vargas em editoriais e reportagens”, escreve Nitrini.

A reviravolta editorial tem dois agravantes. O primeiro é que em 1937, ao contrário de 1932, Getúlio era um ditador. O segundo é que a guinada foi o preço pago pela indenização milionária que, após longa disputa judicial, Cásper acabou recebendo do governo por conta do empastelamento da Gazeta em 1930.

Com o dinheiro, construiu uma sede suntuosa para o jornal, que passou a contar com as mais modernas máquinas de impressão.

Morto aos 53 anos num acidente de avião no Rio de Janeiro, Cásper legou, em testamento, uma fundação que durante décadas manteve vivo o jornal e hoje ainda é responsável pela faculdade de jornalismo que leva o seu nome —daí, aliás, o título do livro.

Ex-professor da Cásper e ex-diretor de jornalismo da TV Gazeta, Dácio Nitrini, que tem passagem relevante por quase todos os veículos importantes de São Paulo, narra com autoridade, equilíbrio e leveza a vida do “nosso jornalista”, como se refere a ele, colocando de pé um personagem incontornável da imprensa brasileira.

Cásper Líbero, Jornalista que Fez Escola

  • Quando Nesta quinta (5), às 19h
  • Onde Livraria da Vila - shopping Pátio Higienópolis, av. Higienópolis, 618, São Paulo. Grátis.
  • Preço R$ 46 (208 págs.)
  • Autor Dácio Nitrini
  • Editora Terceiro Nome
 
Oscar Pilagallo

Jornalista, é autor de "História da Imprensa Paulista"

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.