Relator da 2ª instância na Câmara prevê mudança além de ação penal e só para novos casos

Deputado federal Fábio Trad (PSD-MS) deve entregar em março relatório da PEC da condenação em segundo grau

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Brasília

A PEC (proposta de emenda à Constituição) da execução da pena logo após condenação em segunda instância deve ser aplicada apenas a novos processos. E a medida não deverá se restringir ao âmbito penal, segundo o relator do texto, o deputado federal Fábio Trad (PSD-MS).

O congressista deve entregar o relatório no início de março, em meio a uma disputa entre Câmara e Senado pelo protagonismo da discussão.

No Senado, tramita um projeto de lei que prevê que a execução após segunda instância vigore apenas na esfera criminal. Senadores buscam apoio para aprovar o projeto em plenário, mas o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), resiste em pautá-lo. Ele fez um acordo com a Câmara para aguardar a chegada da PEC que tramita na comissão especial, instalada em dezembro de 2019.

A proposta relatada por Trad foi elaborada para dar uma resposta à pressão da rua e de congressistas lavajatistas que cobram do Legislativo que determine o cumprimento da pena após condenação em segunda instância.

A pressão aumentou após o STF (Supremo Tribunal Federal) reformar o próprio entendimento a respeito do tema e determinar que um condenado tem o direito a aguardar em liberdade o trânsito em julgado —quando se esgotam os recursos.

O entendimento teve efeito imediato e resultou na soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O petista estava preso desde abril 2018.

A costura da PEC analisada pela Câmara começou em novembro, em resposta ao julgamento do STF. 
Inicialmente, deputados apoiadores da Lava Jato pressionaram para aprovar um texto que mudava um inciso do artigo 5º da Constituição. Maia, no entanto, barrou a iniciativa por considerá-la inconstitucional.

A saída, então, articulada por líderes de partidos de centro com o apoio de parlamentares da oposição, foi produzir uma proposta que alterasse outros trechos da Carta Magna.

A sugestão acatada propõe mudança nos artigos 102 e 105 da Constituição, que tratam das competências do STF e do STJ (Superior Tribunal de Justiça).

A PEC, na prática, antecipa o trânsito em julgado para a segunda instância a partir do momento que transforma recursos extraordinários (STF) e especiais (STJ) em ações revisionais, que buscam revisar um erro no processo. Ao eliminar esses dois tipos de recursos, antecipa-se a possibilidade de prisão para a segunda instância.

Isso anteciparia o cumprimento da pena para todos os ramos do direito, e não apenas para casos criminais.

Nos tribunais superiores —o STJ e o Supremo— não se reexaminam provas, e não cabe aos ministros decidir se um réu cometeu ou não um crime. O que se avalia é se a decisão que está sendo questionada violou lei federal (no caso do STJ) ou a Constituição (no caso do STF).

Como há esses requisitos, a grande maioria dos processos penais não sobe para as cortes superiores.

Além da prisão de uma pessoa condenada, existem a prisão em flagrante e as prisões cautelares (temporária e preventiva), que servem para garantir a aplicação da lei, proteger a sociedade e evitar novos crimes. Essas podem ser decretadas por um juiz a qualquer momento, inclusive antes de condenação.

A abrangência da PEC enfrenta resistência de governadores, juristas e lavajatistas por ter impacto nas contas públicas. É o caso dos precatórios (ordens judiciais para pagamento de dívidas de municípios, estados e União), por exemplo. ​

O deputado, no entanto, admite criar uma exceção para processos na área eleitoral, por considerar que as ações já tramitam de forma célere.

“Só descarto a ideia de restringir a PEC ao âmbito penal porquanto a morosidade que acomete o sistema processual atinge também outras áreas do direito”, afirma.

“A PEC é o mais potente remédio contra a falta de efetividade em tempo razoável do sistema processual brasileiro, de forma que todas as sugestões tendentes a combater este crônico mal serão muito bem recebidas”, diz.

Segundo Trad, duas alterações que, se aprovadas, terão impacto significativo na população de baixa renda dizem respeito às esferas trabalhista e previdenciária. Uma empresa condenada a indenizar um ex-funcionário seria obrigada a pagar já na segunda instância.

O relator pretende adotar uma alternativa ao estabelecer o ponto de partida dos casos que serão afetados pela PEC. Para isso, ele tende a incluir no relatório a previsão de que a PEC só seja aplicada a processos iniciados após a promulgação do texto.

Esse seria um meio-termo entre os que defendem a aplicação do novo entendimento para ações que ainda não foram julgadas em segunda instância e aqueles que propõem que ela só valha para crimes cometidos a partir de sua promulgação.

A comissão especial já realizou três audiências públicas. Foram ouvidos o ex-ministro do STF Cezar Peluso, o ministro Sergio Moro (Justiça) e representantes de defensores públicos.

Na sessão da qual participou, Moro disse ser favorável a que a execução após segunda instância valha para todos, mas ressaltou que, se não houver apoio político suficiente para que a PEC incida sobre casos cíveis e criminais, que seja aprovada pelo menos para esses últimos.

“Se possível para ambos, ótimo, mas para os casos criminais a necessidade é mais premente, porque esses são os casos que mais nos assustam quando geram impunidade”, disse, em audiência realizada no dia 12.

Moro ainda defendeu a aplicação da PEC a processos em curso, o que iria de encontro à tese que deve ser defendida por Trad.

Outras preocupações de juristas também serão abordadas por Trad em seu relatório. Por exemplo, o caso de um réu absolvido em primeira instância, mas condenado em segunda. 

O deputado avalia não ser justo privar o réu do direito de impugnar essa condenação. “O duplo grau de jurisdição será prestigiado”, afirma.

Além disso, o impacto sobre precatórios, na avaliação de Trad, não será suficiente para “causar instabilidade no sistema”.

“Afinal, a forma e o tempo no pagamento dos precatórios não serão alterados”, diz.

O relator defende que, no caso de precatórios, a execução da pena só valha para processos iniciados após a nova lei, por considerar que o pagamento antecipado poderia quebrar estados e a União.

Para ser aprovada, a PEC precisa ser aprovada no plenário por três quintos dos congressistas, em dois turnos de votação em cada uma das Casas. A intenção da Câmara é concluir a votação até abril.

Entenda a discussão sobre prisão após segunda instância

Qual o atual entendimento sobre prisão de condenados em segunda instância?
Em novembro, o STF decidiu que é preciso aguardar o trânsito em julgado (esgotamento de todas as possibilidades de recurso) do processo para que um réu comece a cumprir a pena a que foi sentenciado. Desde 2016, a jurisprudência em vigor autorizava a prisão após condenação em segunda instância

Qual o projeto da Câmara?
A proposta de emenda à Constituição, na prática, altera o que é considerado trânsito em julgado. O processo transitaria em julgado após a sentença em segunda instância, o que permitiria a prisão depois dessa etapa. Ainda seria possível recorrer às cortes superiores, mas a ação em si deixa de ser recurso e passa a ser ação revisional.

Para virar lei, precisa ser aprovada no plenário por três quintos dos parlamentares, em dois turnos de votação em cada uma das Casas (Câmara e Senado)

Quais são as instâncias do Judiciário?
A Justiça comum (ou seja, excluindo a Eleitoral, a do Trabalho e a Militar) é dividida da seguinte forma:

  • Primeira instância: Varas e juizados especiais estaduais e federais. Compostas pelos juízes de primeira instância
  • Segunda instância: Tribunais estaduais e tribunais regionais federais. São compostos pelos desembargadores (TJs) e por juízes federais de segunda instância (TRFs)
  • STJ: Composto pelos 33 ministros da corte
  • STF: Composto pelos 11 ministros da corte

Um processo só transita em julgado quando passa por todas as instâncias da Justiça?
​Não. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, a maioria dos processos transita em julgado após a sentença na primeira instância. Uma ação só passa à instância superior quando uma das partes recorre e o tribunal entende que o recurso cumpre os requisitos para ser analisado. Se ninguém contesta a decisão dentro dos prazos cabíveis, a ação é encerrada

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