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PGR quer que multas pagas por delatores sejam usadas em ações contra coronavírus

Previsão de carimbar valores deve valer para repactuação do acordo de executivos da JBS e para outras negociações

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Brasília

O procurador-geral da República, Augusto Aras, pretende destinar recursos de multas pagas por meio de acordos de delação premiada para o Ministério da Saúde. O objetivo é que o dinheiro seja prioritariamente gasto com o enfrentamento ao novo coronavírus.

Segundo pessoas ouvidas pela Folha que participam de tratativas da PGR (Procuradoria-Geral da República) com colaboradores, a previsão de carimbar esses valores deve valer para a repactuação do acordo de executivos da JBS, em fase final de discussão, e para outras negociações em curso, cujo desfecho está próximo.

Uma das delações em estágio mais avançado é a do empresário Eike Batista.

No caso da JBS, Aras propôs o pagamento de R$ 2 bilhões por conta dos crimes cometidos pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, além do ex-diretor de Relações Institucionais do grupo empresarial, Ricardo Saud. Inicialmente, esse valor era de R$ 25 milhões.

A ideia é que, do total, R$ 500 milhões sejam pagos à vista e componham um fundo da saúde para ser prioritariamente gasto em ações contra a pandemia.

O restante, segundo os termos propostos, terá de ser dividido em dez parcelas mensais de R$ 150 milhões. Essa fatia dos recursos também seria prioritariamente carreada à saúde —podendo, no entanto, ser investida em outras áreas, caso não haja mais necessidade no futuro.

A assinatura da repactuação estava prevista para esta sexta (20), mas emperrou porque a defesa dos irmãos Batista questionou a cifra de R$ 2 bilhões, apresentando uma contraproposta de R$ 200 milhões.

Segundo pessoas com acesso às discussões, a expectativa, no entanto, é de que os dois lados cheguem a um denominador comum até junho, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) decide se homologa a rescisão do acordo original dos executivos da JBS.

A repactuação proposta por Aras prevê a substituição da imunidade penal inicialmente concedida por penas de três anos e meio para Joesley e Saud.

Os dois teriam de ficar um ano e meio em regime fechado, descontados os cerca de sete meses já passados na prisão. Depois disso, passariam a cumprir cerca de um ano no semiaberto e mais cerca de um ano no aberto.

No caso de Wesley, a previsão é a de que fique 11 meses no regime fechado.

Uma vez concluída, a nova versão do acordo será enviada ao Supremo, passando a valer a partir da eventual homologação pelo relator dos processos relativos à colaboração da JBS, ministro Edson Fachin.

A gestão de recursos pagos nas delações será do Ministério da Saúde. Caberá ao TCU (Tribunal de Contas da União) fiscalizar sua aplicação.

A repactuação não eximiria a J&F, holding que controla a JBS, de pagar os R$ 10,3 bilhões acertados em 2017 num acordo de leniência com o MPF (Ministério Público Federal) na primeira instância. Esse pagamento está sendo feito em parcelas.

Na contraproposta apresentada à PGR, a defesa dos delatores prometeu fazer esforços para firmar aditivos à leniência e, com isso, destinar, em 24 meses, R$ 1,8 bilhão do montante pactuado para o enfrentamento ao novo coronavírus.

Joesley e Wesley estão na lista de bilionários da revista Forbes, com fortunas individuais estimadas em US$ 1,3 bilhão em 2019.

A delação dos executivos da JBS foi fechada em 2017 pelo então procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Meses depois, o próprio Janot a rescindiu, após virem à tona suspeitas de que os colaboradores omitiram crimes em seus depoimentos.

Na ocasião, a rescisão foi enviada ao Supremo para homologação, mas não foi tomada decisão a respeito e sobre o futuro das provas colhidas.

Com os novos termos acertados, a PGR busca evitar que essas provas sejam invalidadas por causa do imbróglio no caso.

Há 23 ações penais e inquéritos decorrentes da delação da JBS, a maioria referente a ilícitos praticados por políticos.

A PGR também receia que a rescisão gere um ambiente de insegurança jurídica, desestimulando criminosos de fechar acordos de delação no futuro.

Os ministros Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Walter Braga Netto (Casa Civil), coordenador do comitê de crise criado para enfrentar o coronavírus, foram comunicados por Aras sobre os termos da repactuação, assim como o presidente do Supremo, Dias Toffoli.

Segundo uma autoridade do governo, os recursos pagos por delatores ajudariam a melhorar o caixa estatal num contexto de aumento significativo das despesas, por conta dos impactos do coronavírus, e de queda da arrecadação, fruto da desaceleração da atividade econômica.

De acordo com essa autoridade, a proposta de Aras é a de que os recursos, uma vez pagos, sejam aplicados, por exemplo, na construção e no reaparelhamento de hospitais; na compra de equipamentos para unidades de terapia intensiva; e na aquisição de imóveis que possam ser rapidamente adaptados para unidades de saúde.

A gestão do dinheiro, no entanto, é do governo. O procurador-geral sugeriu também que eventuais obras feitas com a verba sejam coordenadas pelo Instituto Militar de Engenharia (IME), ligado ao Exército. Procurada pela Folha, a PGR não comentou.

Lava Jato

Nesta quinta (19), o procurador-geral requereu ao Supremo que até R$ 2,6 bilhões do chamado fundo da Operação Lava Jato sejam destinados ao Ministério da Saúde e usados no esforço contra o novo coronavírus.

Os recursos foram recuperados da Petrobras, a partir de uma negociação com autoridades americanas.

Segundo acordo homologado em setembro do ano passado, R$ 1,6 bilhão seriam investidos em ações de incentivo à educação e o restante na proteção do meio ambiente.

Aras argumenta que a pandemia impôs uma inédita realidade no país, exigindo ações emergenciais para prevenir a proliferação do vírus e tratar doentes.

O pedido foi encaminhado ao ministro Alexandre de Moraes.

“Diante disso, e considerando que os pagamentos da parte dos valores que, segundo o acordo supra mencionado, seria destinado às ações de incentivo à educação ainda não foram executados e, tendo em conta que se trata de recursos —extraorçamentários os quais, por natureza, permitem realocação— a PGR requer que tal montante seja destinado à União, gerido pelo Ministério da Saúde e aplicado exclusivamente no custeio de ações voltadas ao combate ao vírus”, escreveu Aras.

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