Descrição de chapéu Coronavírus

Sem apresentar provas, Bolsonaro diz desconfiar do número de vítimas do coronavírus em SP

Em entrevista à TV Bandeirantes, presidente ainda afirmou que "infelizmente, algumas mortes terão, paciência"

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Daniel Carvalho Ricardo Della Colletta
Brasília

Em meio a um embate com o governador João Doria (PSDB), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse na tarde desta sexta-feira (27) que não acredita nos números de casos de coronavírus no estado de São Paulo. Para ele, os números podem estar superdimensionados.

O número de óbitos relacionados ao novo coronavírus no estado de São Paulo cresceu 209% em cinco dias, segundo balanço da Secretaria da Saúde divulgados nesta sexta-feira. No último domingo (22), o estado registrava 22 mortes, contra 68 agora.

"Está muito grande para São Paulo. Tem que ver o que está acontecendo aí. Não pode ser um jogo de números para favorecer interesse político", disse o presidente em entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes. O jornalista insistiu no questionamento, indagando se ele não acreditava nos dados de São Paulo. "Não estou acreditando nesse número", afirmou Bolsonaro.

Doria e Bolsonaro, cada um num canto do ringue virtual da videoconferência de quarta passada
Doria e Bolsonaro, cada um num canto do ringue virtual da videoconferência de quarta passada - Governo de São Paulo e Marcos Corrêa/Presidência da República - 25.mar.2020

Antes, sem querer confirmar que estava falando de São Paulo, acusou que está havendo uma fraude.

"Sem querer polemizar com ninguém, tem um estado aí que orientou por decreto que, em última análise, se não tiver uma causa concreta do óbito, bota lá coronavírus para colar", afirmou.

"Procura saber, por estado, quantos morreram por H1N1 até o momento. Não é que eu queria que tenha morrido. Ano passado foram 700 pessoas mais ou menos. Vai ter que ter alguém que morreu este ano disso aí. Se for todo mundo com coronavírus, é sinal de que o estado está fraudando a causa mortis daquela pessoa, querendo fazer uso político de números. Isso a gente não pode admitir".

"Vamos enfrentar o vírus. Vai chegar, vai passar. Infelizmente, algumas mortes terão, paciência, acontece, e vamos tocar o barco", afirmou.

"Porque as consequências, depois, dessas medidas equivocadas [decretos dos estados e municípios fechando o comércio], vão ser muito mais danosas do que o próprio vírus. Não podemos ter um remédio que no final das contas a dose vai ser tão grande que o número de problemas vai ser muito maior que o vírus em si. É questão de bom senso", acrescentou.

Ao chegar no Palácio da Alvorada no fim da tarde desta sexta, Bolsonaro foi questionado por jornalistas sobre suas afirmações. Ele disse que está analisando o decreto de São Paulo sobre o tema. "Pelo o que parece sempre que possível bota um Covid-19 ali [na causa mortis]. Agora o número de mortes em São Paulo é muito maior do que no Rio de Janeiro. É um número de 60 mais ou menos [são 68], que fica difícil para estatística. Espero que pare por aí".

O presidente foi perguntado uma primeira vez o que Doria ganharia ao inflar números de mortes no estado.

"Por favor. Não quero fazer... não vai levar para fofoca aqui. João Doria faça a sua parte lá e eu faço a minha aqui", respondeu.

Em seguida, Bolsonaro foi questionado por provas que embasassem sua acusação.

"Ô cara, você vê números, cara. Não vou mais responder a você", reagiu o mandatário, dirigindo-se ao repórter.

À TV Bandeirantes o presidente pôs em dúvida ainda os números de casos na Itália, país que registrou nesta sexta 919 novas mortes provocadas pelo novo coronavírus, o maior número diário desde que a pandemia atingiu o país, no começo deste ano. O recorde anterior havia sido registrado em 21 de março, quando 793 pessoas morreram.

"O vírus evolui. Nós temos informações do mundo todo de como as pessoas estão sendo tratadas. Inclusive, certos mitos estamos desfazendo, como a questão das mortes na Itália. A maioria das mortes não tem nada a ver com o coronavírus, nada a ver. São pessoas que estavam em uma região fria e todos com uma média de idade de 80 anos", disse Bolsonaro.

Ele afirmou que terá uma reunião com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, neste sábado (28), no Palácio da Alvorada, para dar um "pequeno redirecionamento do que está sendo feito até agora".

Bolsonaro disse que, entre as mudanças que serão discutidas, está uma possível adoção do isolamento vertical, aquele em que apenas integrantes do grupo de risco ficariam isoladas. Ele disse que há também a ideia de contratar hotéis para acolhimento de idosos infectados e outros para não infectados.

"Para nós, aqui no Brasil, pode ser que não seja tudo isso que aconteceu em alguns países", afirmou o presidente.

Bolsonaro disse que o país tem que voltar à normalidade "imediatamente" e voltou chamar a Covid-19 de "gripezinha".

Ele também voltou a estimular as pessoas a voltarem ao trabalho e indagou se "vamos quebrar o Brasil por causa do vírus".

"O Brasil tem que trabalhar. O maior remédio para qualquer doença é o trabalho. Temos que trabalhar", disse Jair Bolsonaro. "Estamos tomando providências para que quem tem emprego vá trabalhar. Porque depois que perder, vai levar anos para conseguir de volta, e as consequências são enormes."

Sobre projeções de mortes no Brasil feitas por pesquisadores estrangeiros, Bolsonaro disse que, para ele, trata-se de "chute" e que "deve ter algum interesse econômico".

O presidente também foi questionado sobre os resultados de seus testes de coronavírus. Bolsonaro disse que ambos tiveram resultado negativo, mas nunca apresentou o comprovante do laboratório.

Bolsonaro afirmou que, por precaução, seus exames são feitos com o nome dele em código. "Se mostrar os códigos vão falar que é mentira", disse o presidente.

Indagado sobre o trabalho de Mandetta, que somente nesta semana modulou seu discurso para se aproximar ao de Bolsonaro, o presidente fez elogios, mas disse que nenhum de seus ministros tem "total liberdade" e insistiu na intenção de mudar a estratégia de isolamento no país.

"Aqui não sou eu isolado e cada ministro faz o que der na cabeça", afirmou. "Tenho o poder de interferir e vou continuar interferindo, sem problema nenhum", disse.

"Tem um comandante no navio. Não é cada um remando para um lado de acordo com seu interesse", afirmou Bolsonaro.

Em outro momento da entrevista, Datena perguntou se Bolsonaro seria capaz de dar um golpe. "Quem quer dar o golpe jamais vai falar que vai dar", respondeu o presidente, ao negar qualquer tipo de iniciativa nesse sentido.

Ele também comentou seu relacionamento com o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) que, na quarta-feira (25), disse que o posicionamento do governo é único para o combate do novo coronavírus e defendeu o isolamento e distanciamento social.

Sobre o pronunciamento de Bolsonaro em rede nacional, na terça (24), Mourão disse que talvez ele não tenha se expressado da melhor forma.

"Ele é mais tosco do que eu. É muito mais tosco do que eu", afirmou Bolsonaro, acrescentando que seu vice é "pau para toda obra" e que é "o único que não é demissível".

Decoro

A conduta de Bolsonaro diante da pandemia, a rigor, pode ser questionada como crime de responsabilidade por quebra de decoro, segundo a lei 1.079/50, afirmam advogados ouvidos pela Folha.

Segundo a norma, o presidente não pode "proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo".

Na prática, contudo, é uma análise subjetiva. "Às vezes uma coisa não é suficiente para ser em si um crime de responsabilidade, mas ela se soma a um conjunto de coisas que o presidente vem fazendo", diz Diego Werneck, do Insper.

"A orientação que ele está dando não só é potencialmente letal como ele nem sequer apresentou, até o momento, uma política pública do que ele defende", afirma.

Para o professor da Escola de Direito da FGV Rubens Glezer, os casos são frágeis para enquadrar em quebra de decoro. Ele afasta também a possibilidade de uma afronta ao poder dos estados.

Colaborou Daniela Arcanjo, de São Paulo

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