Descrição de chapéu Governo Bolsonaro

Bolsonaro disse querer diretor da PF com quem tivesse afinidade, diz Valeixo, ex-chefe do órgão

Demitido em abril, ex-diretor-geral prestou depoimento em inquérito e repetiu parte do relato de Moro

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Brasília e Curitiba

Em depoimento prestado nesta segunda-feira (11), o ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo disse que o presidente Jair Bolsonaro decidiu exonerá-lo porque queria no cargo alguém de sua confiança.

Segundo Valeixo, Bolsonaro lhe disse não ter nada contra a sua pessoa, mas que buscava um diretor com quem tivesse mais "afinidade".

O depoimento, obtido pela Folha e que faz parte de inquérito que apura se o presidente da República tentou interferir indevidamente na corporação, durou cerca de sete horas e ocorreu na Superintendência da PF em Curitiba.

O clima no local foi bem diferente do registrado no último dia 2, quando o ex-ministro da Justiça Sergio Moro prestou depoimento e enfrentou protestos de apoiadores de Bolsonaro, além de manifestantes a seu favor.

O ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo durante seminário no Ministério da Justiça em 2019
O ex-diretor-geral da Polícia Federal Maurício Valeixo durante seminário no Ministério da Justiça em 2019 - Pedro Ladeira - 27.ago.19/Folhapress

No depoimento, questionado sobre a sua concepção de interferência política na PF, o ex-diretor disse que ela não chegou a ocorrer na prática durante a sua gestão, já que não foi efetivada nenhuma nomeação “com interesse sobre uma investigação específica”.

O relato de Valeixo repete parte do teor do depoimento prestado por Moro —segundo quem Bolsonaro queria mudança na PF especialmente no Rio de Janeiro, estado que é foco de interesses da família do presidente.

O ex-diretor da PF disse que Moro mencionou duas vezes sobre alterações no comando da corporação no Rio. Segundo ele, de forma menos contundente, foi veiculada pelo ex-ministro "a possibilidade de troca do superintendente de Pernambuco".

Mas, segundo Valeixo, "em nenhum dos casos foi apresentada nenhuma razão que justificasse a substituição".

Valeixo disse que foi avisado por Moro, em março, da vontade do presidente de trocar novamente o superintendente da PF do Rio.

Ele admitiu que, desde “a crise” de agosto do ano passado, quando o chefe do órgão no estado foi trocado pela primeira vez, comunicou ao ex-ministro seu desejo de deixar o cargo e sinalizou a possibilidade de aceitar uma representação da PF no exterior para evitar desgaste entre Moro e o presidente.

Ao discursar em 24 de abril, logo após Sergio Moro sair do cargo, Bolsonaro descreveu uma conversa com o chefe da pasta sobre a troca de comando na corporação.

"Quero um delegado, que pode não ser o seu, que pode não ser o meu, mas que eu sinta, além da competência óbvia, se bem que isso é uma coisa comum entre os delegados da Polícia Federal, que eu possa interagir com ele", disse Bolsonaro.

“Por que não? Eu interajo com os homens de inteligência das Forças Armadas, se preciso for, eu interajo com a Abin [Agência Brasileira de Inteligência], interajo com qualquer um do governo”, acrescentou o presidente.

Valeixo foi demitido em abril, estopim para a crise que culminou com a saída de Moro do governo.

O ex-diretor confirmou que Bolsonaro ligou para ele, na noite de 23 de abril, indagando se concordava que sua exoneração fosse publicada como "a pedido".

Na mesma noite, Valeixo teria avisado Moro que aceitaria os termos da demissão caso fosse nomeado em seu lugar Disney Rosseti, diretor-executivo da PF, mas que “não houve formalização do pedido de exoneração”.

Segundo o depoimento, Moro ligou para Valeixo para comunicar sobre a exoneração, que se daria no dia seguinte, mas não teria mencionado “de que forma se daria, se a pedido ou não”.

Na manhã do dia 24, Moro comunicou seu pedido de demissão do Ministério da Justiça em uma coletiva de imprensa, em que afirmou que Bolsonaro havia tentado interferir politicamente na PF ao tirar Valeixo do cargo.

Moro disse também que não havia assinado a exoneração de Valeixo nem recebido o pedido de exoneração do então diretor-geral da PF.

Após Moro contestar sua assinatura, Bolsonaro admitiu erro e retirou o nome do ex-ministro da medida de exoneração de Valeixo da chefia da Polícia Federal, mantendo, contudo, a informação de que foi a pedido dele.​

O ex-diretor da PF narrou que, em agosto de 2019, Moro tentou criar uma “relação de proximidade” entre Valeixo e Bolsonaro, após a primeira crise envolvendo a substituição do superintendente do Rio.

A partir do final de outubro, a convite de Moro, Valeixo começou a acompanhar as reuniões semanais com Bolsonaro, mas nos encontros não eram tratados assuntos referentes a investigações em curso da PF.

Questionado sobre o contato direto com o presidente, Valeixo disse que, quando foi superintendente no Paraná, “nunca teve essa experiência”.

Em outro trecho do depoimento, Valeixo disse que participou de uma reunião no Palácio do Planalto em que houve uma apresentação da investigação sobre Adélio Bispo de Oliveira, que deu uma facada no presidente na época da campanha eleitoral. Segundo ele, Bolsonaro não manifestou nenhuma “contrariedade”.

Valeixo disse ainda que Bolsonaro não solicitou informações sobre a eventual participação no caso Marielle Franco.

O ex-diretor da PF falou também sobre a relação de Alexandre Ramagem, ex-chefe da segurança de Bolsonaro e atual diretor da Abin, com o presidente. A nomeação de Ramagem para o comando da PF foi barrada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes.

De acordo com Valeixo, não houve nenhuma tentativa de Ramagem junto ao presidente em interferir na sua gestão. Questionado se a amizade entre Bolsonaro e Ramagem seria um impeditivo para a nomeação ao cargo de diretor-geral da PF, Valeixo respondeu que atos de nomeação e exoneração são de responsabilidade do presidente.

No evento de sua despedida do cargo e em depoimento à PF, Sergio Moro acusou Bolsonaro de tentativa de ingerência política na corporação.

Com base nas suspeitas lançadas, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu ao Supremo a abertura do inquérito para apurar se houve alguma conduta criminosa por parte de Bolsonaro e, em outra hipótese, se Moro pode ter feito denúncia caluniosa.

Nesta segunda, também prestaram depoimento à PF, em Brasília, o delegado Alexandre Ramagem, cuja nomeação para substituir Valeixo foi barrada pelo Supremo diante de indícios de desvio de finalidade, e o ex-superintendente da PF no Rio de Janeiro Ricardo Saadi, que deixou o cargo no ano passado, após Bolsonaro pressionar por sua saída.

Nesta terça, estão previstos depoimentos de três ministros militares citados em depoimento por Moro: Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Walter Braga Netto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo).

DEPOIMENTOS PREVISTOS

Segunda (11) 

  • Maurício Valeixo, ex-diretor-geral da PF
  • Alexandre Ramagem, diretor da Abin, impedido pelo STF de assumir o posto de Valeixo
  • Ricardo Saadi e Carlos Henrique Sousa, ex-superintendentes da PF no RJ
  • Alexandre Saraiva, superintendente da PF no Amazonas
  • Rodrigo Teixeira, delegado responsável pela investigação sobre a facada em 2018

Terça (12)

  • Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional)
  • Walter Braga Netto (Casa Civil)
  • Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo)

Quinta (14)

  • Carla Zambelli, deputada federal (PSL-SP)
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