Tabata Amaral lança livro com críticas ao machismo na política

Em 'Nosso Lugar', deputada federal e colunista da Folha escreve sobre sua trajetória

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São Paulo

Ainda adolescente, Tabata Amaral estava em uma aula preparatória para uma das olimpíadas internacionais de conhecimento das quais participou. Como acontecia com frequência, ela era a única mulher no curso.

Incomodado com a presença dela, um garoto falou para todo o grupo ter certeza de que Tabata era um menino disfarçado de menina e só isso poderia explicar o bom desempenho dela. A estudante sentiu o baque e só não desistiu do curso porque o professor deu uma bronca no rapaz.

A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) participa de sessão da comissão do Fundeb na Câmara
A deputada Tabata Amaral (PDT-SP) participa de sessão da comissão do Fundeb na Câmara - Bruno Rocha - 11.mar.20/Fotoarena/Folhapress

​Os anos passaram, mas o machismo não.

Num dia da campanha para deputada federal, Tabata e sua equipe visitavam uma feira em São Paulo. A certa altura, quando estava sozinha, foi alvo de piadas obscenas de homens que estavam ao seu lado. Um tom de ameaça se impôs e, com receio de algum ato mais violento, ela reencontrou seus apoiadores para deixar o local.

No livro recém-lançado “Nosso Lugar”, Tabata lembra o trabalho como ativista pela educação que a impulsionou ao cargo de deputada federal. Mas aborda sobretudo a opressão masculina no meio político e indica pontos de partida para as mulheres que pretendem disputar cargos públicos.

“Para poder me candidatar e ser eleita, tive que superar muitos obstáculos. Alguns deles, enfrentei por ser jovem, outros por não ser do meio político nem de família rica, mas a maioria foi por ser mulher”, escreve Tabata, que também é colunista da Folha.

Foi eleita em 2018 com 264.450 votos, o que deu a ela o sexto lugar entre os deputados federais mais votados do estado de São Paulo. Tinha apenas 24 anos.

Segundo a parlamentar, existem dois obstáculos principais que impedem uma inserção feminina mais efetiva na arena política.

O primeiro é o que chama de “violenta política de gênero”. Para demonstrar o entrave, Tabata cita o Vamos Juntas, uma mobilização suprapartidária criada por ela pra incentivar mulheres de todo o país a se lançar na arena política.

“Temos 51 pré-candidatas, e muitas delas estão sofrendo violência de tal forma que precisamos oferecer apoio psicológico. Estou falando de ameaças, ofensas, textos pornográficos. É tão grotesco que algumas cogitam desistir da candidatura”, diz a deputada.

O segundo obstáculo é a estrutura partidária, dominada por homens. “As mulheres não se sentam à mesa de decisões quando as candidaturas são definidas nas prévias, quando se discute a distribuição dos financiamentos e em outras situações como essas.”

Tabata descreve a falta de diversidade de gênero nas cúpulas partidárias com a experiência de quem enfrenta o problema no seu dia a dia.

Ela passou a ser severamente criticada pelos líderes do PDT, sigla pela qual se elegeu, desde que votou a favor da reforma da Previdência no ano passado. O fato de ser mulher, acredita, contribuiu para que os ataques se acentuassem.

A deputada acionou a Justiça para conseguir manter seu mandato quando deixar o partido. Por ora, mantém-se filiada e aguarda uma decisão. Tabata critica a legenda, mas faz a ressalva: “O machismo não é monopólio do PDT, muito menos da esquerda”.

Escrito ao longo de nove meses, com observações preciosas de Reni, mãe de Tabata, “Nosso Lugar” é também uma chance para a deputada lembrar sua trajetória, dos estudos em uma escola estadual na Vila Missionária, na periferia de São Paulo, à formação em ciência política e astrofísica em Harvard.

Acompanhar suas lutas narradas por outros a aborrece quando sua ascensão soa como símbolo de um Brasil supostamente meritocrático. Vem muito daí sua vontade de escrever o livro.

“A gente vive num país extremamente injusto e desigual. Se não fossem todas as pessoas que me deram oportunidades e que eu cito no livro, meu futuro teria sido limitado pelo lugar onde nasci, pela falta de educação, pela doença do meu pai.”

Tabata jamais havia falado de modo tão transparente sobre a dependência química do pai como faz em “Nosso Lugar”. Naldo morreu quatro dias depois da notícia de que a filha tinha sido aceita em Harvard.

O livro é dedicado a ele, à mãe de Tabata e “a todos os professores que me ajudaram a conquistar o direito de sonhar”.

Nosso Lugar - O Caminho que me Levou à Luta por Mais Mulheres na Política

  • Preço R$ 35 (192 págs.), R$ 20 (ebook)
  • Autor Tabata Amaral
  • Editora Companhia das Letras
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