Alta de moradores de rua após pandemia exigirá resposta de prefeito de SP em diversas áreas

Nas últimas décadas, aumento dessa população passou de 500% na cidade, e Covid-19 deve agravar problema

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São Paulo

Sob os efeitos da pandemia do novo coronavírus, a cidade de São Paulo assiste a um aprofundamento das desigualdades.

O que se vê debaixo de viadutos, passarelas, marquises e sobre as calçadas de ruas e praças é um aumento notório do número de pessoas sem teto no ano marcado pela crise sanitária.

Além de não possuir uma moradia, quem está ao relento ainda convive com violência, abuso policial, uso de drogas e péssimas condições de alimentação.

Ilustração de moradores de rua deitados embaixo de uma ponte
Carolina Daffara/Folhapress

As gestões que se sucederam no comando da maior cidade do país nos últimos 28 anos viram a população em situação de rua saltar de quase 4.000 para 24.344 pessoas no período —um crescimento superior a 500%, segundo dados da prefeitura.

Pelo último censo do município, de 2019, 11.693 pessoas estavam acolhidas em albergues públicos e outras 12.651 dormiam nas ruas.

Outros dados, do governo federal, indicam um número maior: pelo Cadastro Único, sistema do Ministério da Cidadania, em dezembro do ano passado havia 33.292 famílias sem-teto na capital paulista.

As últimas administrações se preocuparam mais em criar espaços de acolhimento provisório do que tratar do problema de forma integrada.

Segundo especialistas, tirar pessoas da rua exige uma resposta multissetorial, com políticas públicas unificadas nas áreas de saúde, habitação, educação, emprego e renda, segurança e assistência social.

Antes da pandemia, a alta do desemprego gerada pela crise econômica e a entrada em massa de venezuelanos no país já impactavam os programas sociais voltados à população de rua do município.

Bruno Covas (PSDB), reeleito neste domingo (29), terá mais nós a desatar nesta área. O desemprego aumentou, a renda caiu e a paisagem da metrópole deverá ter mais gente sem um teto para chamar de seu.

A série da Folha "Os nós de São Paulo" apresenta uma radiografia de desafios em diversas áreas sob responsabilidade do prefeito eleito para comandar a capital paulista a partir de janeiro de 2021. Com discussões que devem ser tratadas na campanha eleitoral, as reportagens poderão ser consultadas em folha.com/nosdesaopaulo.

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O que leva uma pessoa a viver nas ruas?
Segundo o censo municipal de 2019, que radiografa o tamanho da população paulistana de rua, o principal motivo que as pessoas declararam para ficar nessa situação foi o conflito familiar (50%), seguido pelo uso de drogas ou álcool (33%), o desemprego (13%) e a perda de moradia (13%).

Cada entrevistado podia selecionar mais de um motivo. Entre 2015 e 2019, a taxa de desemprego da capital paulista saltou de 13,2% para 16,6%.

Quais são os principais pontos de concentração de moradores de rua na cidade?
A área da Subprefeitura da Sé, no centro, é a que mais possui moradores de rua, segundo a prefeitura.

Das 24.344 pessoas localizadas no censo municipal, 45% declararam estar na Sé. O local sempre foi um reduto dessa população por ter a praça, onde está a Catedral Metropolitana de São Paulo, e outros equipamentos públicos, como o Pateo do Collegio, que são usados para pernoite.

A região também é rota de passagem de muita gente, que acaba distribuindo doações e alimentos. Outra área que concentra moradores de rua é a da cracolândia, também no centro.

O lugar foi alvo de uma operação policial em 2017 comemorada pelo então prefeito e hoje governador João Doria (PSDB). A ação não acabou com a cracolândia, como anunciou Doria à época, mas espalhou os usuários de drogas, que formaram minicracolândias pela cidade.

Depois da Sé, as subprefeituras de Mooca, Santana-Tucuruvi, Lapa e Santo Amaro são as que detêm um número expressivo de moradores de rua.

Qual é a estrutura atual do município para atendimento a moradores de rua?
Antes da pandemia do novo coronavírus, a cidade contava com ao menos 17,2 mil vagas em albergues públicos —sendo 12 mil para pernoite.

Com a emergência sanitária decretada, o total de vagas para pernoite foi ampliado para 24.347 entre os 101 centros de acolhimento existentes.

A cidade ainda dispõe de 11 núcleos de convivência, local onde as pessoas em situação de rua podem fazer a higiene pessoal e se alimentar.

Por que muitas pessoas que vivem nas rua se recusam a utilizar os serviços dos albergues públicos?
De acordo com o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo de Rua, “toda a política voltada a esse público é sempre de tutela. Não há mecanismos de emancipação”.

Para Lancellotti, os moradores de rua querem gerir minimamente a própria vida, o que é impossível dentro dos espaços controlados pelo poder público. “Tem hora para tudo. Isso desestimula”, diz.

O pároco também avalia que a política de abrigamento erra ao não contemplar as especificidades existentes dentro dos grupos de rua. Muitos albergues não oferecem vagas para famílias. Quem vive de catar reciclados tem poucos lugares para guardar as carroças.

As pessoas com animais de estimação também preferem ficar na rua porque a maioria dos albergues não tem canil.

Pessoas sem-teto também já disseram que a falta de higiene, a má qualidade da comida e o medo de pegar doenças em albergues os afastam desses espaços.

Quais impactos a pandemia da Covid-19 tem gerado sobre essa população?
De abril a agosto, 294 pessoas em situação de rua foram diagnosticadas com Covid-19 na capital paulista. Destas, 30 que estavam hospitalizadas morreram, segundo a prefeitura.

No entanto, os números registrados são só os informados pelas equipes de Consultório na Rua ou da assistência social.

Segundo o movimento estadual da população de rua, a pandemia só aprofundou as péssimas condições de vida de quem vive ao relento.

Cobertores, barracas e objetos pessoais continuam sendo retirados das calçadas a mando da prefeitura. Não há garantias de atendimento digno que permitam isolamento social, alimentação e condições para higiene.

Na pandemia, a atual gestão instalou banheiros e chuveiros em pontos estratégicos da cidade. O movimento que representa essa população também pede que as estruturas sejam mantidas, assim como a gratuidade no Bom Prato, o serviço de refeição a baixo custo do governo do estado.

A entidade reinvindica, ainda, melhores condições nos abrigos da prefeitura, que não dão conta da demanda —inflada com a chegada do vírus.

Por que é difícil estruturar políticas públicas direcionadas à população de rua?
Tirar uma pessoa da rua exige um esforço multissetorial, segundo especialistas. É preciso criar programas de saúde, educação, capacitação e estímulo à empregabilidade dessa população.

Outra preocupação se debruça nos dados sobre quem está nas ruas: é preciso saber em detalhes onde essas pessoas vivem e sob quais condições.

Os censos devem trazer informações detalhadas das vulnerabilidades existentes porque são a partir desses dados que as políticas públicas serão executadas.

Os imóveis ociosos na cidade de São Paulo podem ajudar a diminuir a quantidade de pessoas nas ruas?
Segundo o Plano Municipal de Habitação, a capital paulista possui 1.385 imóveis ociosos, abandonados ou subutilizados em terrenos vazios.

A maioria desses imóveis são apartamentos que estão localizados na região central da cidade e permanecem fechados à espera de revalorização.

Parte dos estudiosos em políticas públicas avalia que a prefeitura poderia taxar os donos dos imóveis ociosos e reverter o valor arrecadado em políticas de habitação.

Que política pública pode ser eficaz diante do problema?
A locação social de imóveis é uma medida já colocada em prática que conta com a defesa majoritária de especialistas. Nesse modelo, os moradores pagam entre 10% e 15% do que ganham para se manterem no espaço.

Se bem formulado, esse tipo de programa estimula a convivência de pequenos grupos e pode ser uma saída para a revitalização de áreas degradadas da cidade.

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