Descrição de chapéu Folhajus STF

Dissertação de indicado por Bolsonaro ao STF tem trechos coincidentes com artigos de advogado

Em nota, Kassio Nunes afirma que 'não se pode falar em plágio' por ter posições doutrinárias opostas em relação ao outro autor, que fala em coincidência 'fruto de debates'

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Brasília

A dissertação de mestrado do juiz Kassio Nunes Marques, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a uma vaga no STF (Supremo Tribunal Federal), apresenta trechos semelhantes a publicações de um outro autor.

Intitulado “Concretização Judicial do Direito à Saúde: um contributo à sua efetivação no Brasil a partir das experiências jurisprudenciais no Direito Comparado e nas matrizes teóricas portuguesas”, o trabalho acadêmico foi defendido por Kassio em abril de 2015 na Universidade Autónoma de Lisboa.

Repetindo até erros de digitação, o texto do juiz federal tem coincidências com partes de pelo menos três artigos assinados pelo advogado Saul Tourinho Leal, que atua no escritório comandado pelo ex-ministro do STF Carlos Ayres Britto e é conterrâneo do piauiense Kassio. A informação foi revelada pela revista Crusoé e confirmada pela Folha.

Em nota divulgada pela sua assessoria de imprensa, Kassio disse que "não há que se falar em plágio, pois são produções doutrinárias opostas". Tourinho Leal, por sua vez, afirmou que são infundadas as acusações de plágio e que as coincidências "são frutos de debates, discussões e troca de informações acadêmicas".

Com auxílio de ferramenta disponível na internet, as semelhanças foram identificadas nos artigos “O princípio da busca da felicidade e o direito à saúde”, “Direito à saúde: cidadania constitucional e reação judicial” e “Debate imaginário entre Luís Roberto Barroso e Richard Posner quanto à concretização judicial do direito à saúde”, de autoria de Tourinho Leal. Em alguns trechos a coincidência chegou ao percentual de 100%.

O juiz federal Kassio Nunes Marques, do TRF-1, indicado pelo presidente Bolsonaro a uma vaga no STF
O juiz federal Kassio Nunes Marques, do TRF-1, indicado pelo presidente Bolsonaro a uma vaga no STF - Samuel Figueira/TRF 1ª Região

Uma passagem do artigo “Direito à saúde: cidadania constitucional e reação judicial”, publicado pelo advogado em 2011, quatro anos antes de Kassio concluir o mestrado, cita: “A Constituição Irlandesa de 1937, no art. 45, voltado aos direitos sociais, diz que ‘os princípios de política social pretendem ser para a orientação geral do Oireachtas [Legislativo Irlandês]'".

Na dissertação de Kassio, há o seguinte trecho: “A Constituição Irlandesa de 1937, no art. 45, voltado aos direitos sociais, diz que os princípios de política social pretendem ser para a orientação geral do Oireachtas [Legislativo Irlandês]".

Tourinho Leal e Kassio citaram ainda duas referências bibliográficas coincidentes: Ana Paula de Barcellos (“O direito a prestações de saúde: Complexidades, mínimo existencial e o valor das abordagens coletiva e abstrata) e Virgílio Afonso da Silva (“O Judiciário e as Políticas Públicas: entre Transformação Social e Obstáculo à Realização dos Direitos Sociais”).

Por meio de nota divulgada por sua assessoria de imprensa, Kassio disse que buscou em sua dissertação a autocontenção judicial, posicionamento divergente de Tourinho Leal, defensor do ativismo judicial.

"A coincidência das citações apontadas provavelmente decorra da troca de informações e arquivos relacionados a um dos temas abordados a partir de palestra em seminário que participaram em 2012."

Tourinho Leal disse que há anos nutre uma relação acadêmica com o juiz federal. "As ideias expostas na dissertação do desembargador Kassio Marques são de sua autoria, até porque, temos linhas doutrinárias absolutamente divergentes, guardando em comum tão somente parte do acervo pesquisado, fruto do esforço mútuo dos autores", disse o advogado.

Kassio tem sido obrigado a dar explicações sobre questões acadêmicas nos últimos dias. Conforme mostrou a Folha, o juiz federal tentou convencer nesta terça-feira (6) um grupo de senadores da lisura de suas informações curriculares.

De acordo com o site do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região), tribunal ao qual pertence, Kassio tem pós-graduação, mestrado, doutorado e dois pós-doutorados por universidades da Espanha, de Portugal e da Itália.

A apresentação do TRF-1 não é um currículo Lattes, plataforma usada para registrar trabalhos e realizações acadêmicas. Apesar das justificativas, senadores saíram da conversa com a impressão de que o escolhido de Bolsonaro turbina o currículo.

As incertezas em torno da formação acadêmica de Kassio começaram a surgir em razão da data em que ele defendeu a tese de doutorado cursado na Universidade de Salamanca, na Espanha.

De acordo com os registros da instituição, a defesa do trabalho ocorreu no dia 25 do mês passado, conforme levantou a Folha nos bancos de dados da instituição, poucos dias antes de ser indicado pelo chefe do Executivo à vaga do ministro Celso de Mello, que se aposenta na semana que vem.

O título da tese é "Política judiciária no fornecimento de medicamentos de alto custo no Brasil em um ambiente de crise e de políticas de austeridade fiscal: teoria, experiência e perspectivas​".

Surgiu, então, uma dúvida sobre a compatibilidade temporal deste doutorado com os dois pós-doutorados que ele ostenta na página do TRF-1 —um em direitos humanos, pela Universidade de Salamanca, e outro em direito constitucional, pela Universidade de Messina, na Itália.

Kassio disse a um grupo de seis senadores que, na Europa, é possível começar a cursar pós-doutorado na condição de doutor ou de doutorando e que este era o caso dele.

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