É falso que Boulos tenha cobrado aluguel de moradores sem-teto

Candidato do PSOLo é ligado MTST, que não tinha relação com o prédio citado em post que viralizou nas redes sociais

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São Paulo

É falso que o candidato a prefeito de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos, “alugava quartos nos prédios abandonados” no centro da capital. A alegação circula em postagem viral no Facebook. O post, verificado pelo Comprova, se refere ao edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou em 2018 após um incêndio causado por um curto-circuito. O imóvel era ocupado pelo Movimento Luta por Moradia Digna (MLMD), que não tem ligação com o MTST (Movimento dos Trabalhadores sem Teto), do qual Boulos era coordenador e se afastou durante a campanha eleitoral.

Após o desabamento, moradores da ocupação no centro da cidade disseram que pagavam até R$ 400 de aluguel. Um ano depois, quatro pessoas ligadas aos movimentos Moradia Para Todos e ao Movimento dos Sem Teto do Centro foram presas por quatro meses, acusadas de extorsão, o que elas negam.

O candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL), está de camisa e máscara com o número de sua legenda, 40. Ele posa para foto com fazendo a letra V com a mão esquerda. Atrás, uma mulher sentada, desfocada, e uma lousa escolar
O candidato à Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL) - Danilo Verpa - 15.nov.2020/Folhapress

Essa acusação já havia sido feita contra Boulos em 2018, quando o líder do movimento sem-teto concorreu à Presidência pelo PSOL. O candidato negou reiteradas vezes que ele ou o MTST cobre aluguel em ocupações. À reportagem, disse que a alegação difundida no post de Facebook é mentirosa.

Acusação antiga

Em seu post, a autora relembra o episódio de um imóvel que “pegou fogo”, quando “faleceu um rapaz”. Em 1º de maio de 2018, o edifício Wilton Paes de Almeida, no centro de São Paulo, desabou após um incêndio, causado por um curto-circuito. Sete pessoas morreram e 291 famílias ficaram desabrigadas. O prédio, de 24 andares, havia sido construído nos anos 1960 e pertencia ao governo federal, mas estava abandonado desde o fim dos anos 2000 e começou a ser ocupado por sem-tetos. Desde 2010, era ocupado pelo MLMD (Movimento Luta por Moradia Digna).

Logo após o desabamento, moradores afirmaram em entrevistas que líderes da ocupação cobravam uma taxa de aluguel de quem vivia ali, entre R$ 200 e R$ 400. Mais de um ano depois do acidente, algumas pessoas apontadas como líderes ficaram cerca de quatro meses presas, acusadas de extorsão, o que negam. Elas eram ligadas ao Movimento Moradia Para Todos e ao Movimento dos Sem Teto do Centro. Os presos não eram ligados ao movimento que organizou a ocupação do edifício Wilton Paes de Almeida, o MLMD, mas a denúncia do Ministério Público que motivou a prisão englobava ocupações de outros prédios, segundo o site Ponte Jornalismo.

Ou seja, diferentemente do que afirma o post verificado aqui, o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, do qual Boulos era coordenador, não teve relação nenhuma com a acusação de cobrança de aluguel.

Na época do desastre, Boulos era pré-candidato à Presidência pelo PSOL, e disse desconhecer o MLMD e repudiou a taxa. “O MTST reconhecidamente não faz qualquer tipo de cobrança; esse não é um método que a gente ache adequado. Depende muito de cada movimento, mas desde a formação do MTST, há mais de 20 anos, esse é nosso entendimento”, afirmou.

Já como candidato, em setembro de 2018, ele criticou os casos de desinformação sobre esse assunto em entrevista à Jovem Pan. “A sociedade está doente. Eu estou tendo que processar muita gente porque inventaram a história de que o MTST cobra aluguel. Isso é uma mentira deslavada, absurda, que ‘virou verdade’”, disse. E acrescentou: “Aquela ocupação não era organizada pelo MTST. Existem centenas de movimentos no país e cada um tem seus critérios. Ao que parece, naquele caso, tinha gente explorando a miséria. Tanto que os organizadores vazaram. Nós nunca fizemos isso. Alguém que está nessa situação não tem como pagar nada”.

Na eleição de 2020

No dia 11 de novembro de 2020, quatro dias antes do primeiro turno, a Justiça Eleitoral mandou que Celso Russomanno, então candidato à Prefeitura de São Paulo pelo Republicanos, fosse investigado por suposta desinformação envolvendo o nome de Boulos.

O pedido havia sido feito pela campanha do candidato psolista, que afirmou que o adversário havia propagado informações falsas sobre Boulos invadir casas e cobrar aluguel em imóveis em situação irregular –em um vídeo, Russomanno dizia que a cobrança foi feita aos moradores do edifício Wilton Paes de Almeida. Antes de ser retirada do ar pela Justiça, a desinformação foi disseminada por Russomanno na propaganda eleitoral no rádio, na TV e nas redes sociais.

Boulos e a volta da desinformação

Além de ter entrado na Justiça contra a desinformação espalhada por Russomanno, em 7 de outubro de 2020, Boulos postou um vídeo em seu canal no YouTube sobre esse assunto. Na gravação, que entrou no site de sua campanha na aba “Fake News”, ele repete que nunca cobrou aluguel de sem-teto.

Contatada pelo Comprova, a assessoria de imprensa do candidato acusou a campanha do adversário na corrida à Prefeitura de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), de espalhar mentiras. Questionada se teria alguma prova de que o tucano tenha disseminado desinformação sobre o assunto verificado aqui, a equipe do psolista respondeu apenas: “É essa a resposta por enquanto”.

Recursos do MTST e da campanha

Na página “Fake News”, em que publicou o vídeo sobre o assunto verificado aqui, a campanha de Boulos explica de onde vêm os recursos do MTST: “De doações, campanhas de financiamento online e também de produtos produzidos pelo próprio movimento, como bonés e camisetas”. O texto cita como exemplo uma ação criada pelo movimento durante a pandemia, o Fundo Solidário, que arrecadou mais de R$ 1 milhão “para comprar alimentos, produtos de higiene e proteção” que foram distribuídos em comunidades mais carentes de São Paulo.

Já a campanha eleitoral de Boulos é financiada, segundo o site de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), principalmente pelo fundo eleitoral (dinheiro público a que os partidos têm direito em eleições). O financiamento coletivo aparece em segundo lugar e, a partir do terceiro, são doações de pessoas físicas.

Verifação

O Projeto Comprova, em sua terceira fase, verifica conteúdos que viralizam nas redes sociais ligados às políticas públicas do governo federal, à pandemia do novo coronavírus e às eleições municipais.

Postado no grupo de Facebook “Caio Copolla no Senado” em 21 de novembro, ou seja, depois de a informação disseminada ter sido desmentida pela Justiça Eleitoral, o conteúdo verificado aqui teve mais de 3 mil compartilhamentos e 1,4 mil reações até 24 de novembro.

Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.

A investigação desse conteúdo foi feita por Folha, BandNews e Estadão e publicada na terça-feira (24) pelo Projeto Comprova, coalizão que reúne 28 veículos na checagem de conteúdos sobre coronavírus e políticas públicas. Foi verificada por UOL, Jornal do Commercio, GZH, Correio, Rádio Noroeste, Diário do Nordeste, Poder360, NSC e Piauí.

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