Abin fez relatórios para defender Flávio Bolsonaro sobre 'rachadinha', diz revista; agência nega

Defesa do filho do presidente acionou estrutura do governo para tentar anular apuração; PGR afirma que irá investigar atuação de servidores do GSI

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São Paulo e Brasília | UOL

A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) produziu relatórios para ajudar a defender o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no suposto esquema de "rachadinhas" na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, segundo reportagem desta sexta-feira (11) pela revista Época.

Em um dos documentos, segundo a revista, a Abin deixou claro o objetivo: "Defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos imotivados aos dados fiscais de FB". FB é Flávio Bolsonaro, e Alerj, Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

Advogados de Flávio querem provar que o caso das "rachadinhas" foi iniciado por causa de ações ilegais da Receita Federal. A Abin emitiu os relatórios para ajudar os advogados a comprovarem isso.

O filho do presidente é investigado sob suspeita dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e liderado uma organização criminosa. O Ministério Público do Rio suspeita que ele recolhia o salário de parte de seus antigos funcionários na Assembleia para benefício pessoal.

Como também revelado pela revista Época em outubro, os advogados de Flávio acionaram o Gabinete de Segurança Institucional e outros órgãos do governo federal com autorização do presidente Bolsonaro para obter provas que possam anular as investigações sobre as supostas “rachadinhas”.

O acionamento do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) foi confirmado pela defesa do próprio senador, que afirmou se tratar de “suspeitas de irregularidades das informações” nos relatórios do Coaf, órgão de inteligência financeira, que originaram a investigação contra o filho do presidente.

Segundo a revista, o presidente também se envolveu na mobilização dos órgãos federais, ao acionar o secretário da Receita, José Barroso Tostes Neto, a fim de auxiliar na apuração em favor do senador.

Em nota nesta sexta-feira, o GSI da Presidência reagiu à reportagem e disse reiterar "que não realizou qualquer ação decorrente, por entender que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema".

"As acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela Agência Brasileira de Inteligência", completa a nota.

Segundo a Época, a procedência dos relatórios foi confirmada à revista pela defesa do senador. Procurada nesta sexta-feira pela Folha, a defesa do filho do presidente disse que não iria se manifestar.

Nesta sexta, o PSOL informou que vai incluir as informações sobre o relatório da Abin ao processo no Conselho de Ética do Senado no qual pede a cassação de Flávio, conforme antecipou o Painel.

Já o PT entrou com representação na PGR (Procuradoria-Geral da República) pedindo que o procurador-geral, Augusto Aras, instaure investigação criminal sobre o caso.

A PGR informou que as novas suspeitas envolvendo servidores ligados ao GSI serão juntadas a uma apuração preliminar, tecnicamente chamada de notícia de fato, já instaurada.

O procedimento tramita de forma sigilosa e foi aberto após ter sido noticiado que advogados de Flávio Bolsonaro haviam se reunido com integrantes do GSI.

Sobre eventuais representações anunciadas por parlamentares da oposição, informou a PGR, elas serão analisadas e a Procuradoria se manifestará oportunamente.

Segundo a reportagem da Época, no primeiro relatório produzido pela Abin para ajudar a defender Flávio, a agência disse que a "linha de ação" devia começar mostrando "acessos imotivados anteriores (arapongagem)".

O texto trata da dificuldade para a obtenção dos dados pedidos à Receita e faz imputações a servidores do órgão. O relatório sugere inclusive a substituição de "postos", em provável referência a alguns servidores.

A agência traça uma "alternativa de prosseguimento", que envolveria a CGU (Controladoria-Geral da União), o Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e a AGU (Advocacia-Geral da União).

O objetivo, em resumo, é fazer com que a AGU e a CGU ajuízem a ação. O relatório destaca que os dois órgãos estão sob comando do Poder Executivo.

O outro relatório traça uma "manobra tripla" para tentar conseguir os documentos que a defesa espera.

As ações são bem detalhadas e envolvem até a recomendação de "tomar um cafezinho" com José Tostes Neto, chefe da Receita Federal. Nesta primeira ação, o objetivo é informar que a defesa ajuizará uma ação importante no processo.

Em seguida, o relatório da Abin sugere que a defesa peticione ao chefe do Serpro o fornecimento de uma apuração especial sobre os dados da Receita, baseando-se na Lei de Acesso à Informação. A defesa de Flávio Bolsonaro realmente fez isso.

Por fim, o segundo relatório sugeriu a demissão de servidores, "três elementos-chave dentro do grupo criminoso da RF", que "devem ser afastados in continenti". Um desses servidores citados, Christiano Paes Leme Botelho, chefe do Escritório da Corregedoria da Receita no Rio, pediu exoneração na semana passada, em caso revelado pela Folha.

Botelho é pivô da nova estratégia de defesa do senador, que afirma ter indícios de que seus dados fiscais foram acessados irregularmente antes do início da investigação sobre a suposta “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa.

Os advogados de Flávio não acusam o auditor pelo acesso a dados do senador. Mas apontaram ao presidente Bolsonaro, ao GSI e à PGR casos semelhantes que supostamente envolveram Botelho para reforçar a tese de existência da prática.

Nesta sexta-feira, o Sindifisco Nacional (Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil) disse que a possível ajuda da Abin a Flávio Bolsonaro "é inaceitável em todos os sentidos".

"Ao estar a serviço de uma causa que não é republicana, a atuação da Abin passou de qualquer limite", disse, por meio de nota, Kleber Cabral, presidente do Sindifisco Nacional.

"A Receita Federal, diante do que vem sendo noticiado pela mídia, tem resistido às pressões políticas, tentativas de ingerência que precisam ter um fim imediato", completou.

QUANDO O CLÃ CRUZOU LIMITE ENTRE PÚBLICO E PRIVADO

Uso de helicóptero
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-RJ), o Zero Três, usou o helicóptero da Presidência para transportar convidados de seu casamento com a psicóloga gaúcha Heloísa Wolf, em maio do ano passado

Nomeação para embaixada
O presidente Jair Bolsonaro anunciou, em julho do ano passado, que nomearia Eduardo para ocupar a embaixada brasileira em Washington. Ele recuou após a repercussão contrária

Uso de redes sociais
O vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), o Zero Dois, admitiu que usa as redes sociais da conta oficial do pai

Programa Pátria Voluntária
O governo desviou, neste ano, a finalidade de R$ 7,5 milhões doados especificamente para a compra de testes rápidos da Covid-19 e repassou a verba ao programa Pátria Voluntária, liderado pela primeira-dama, Michelle

Rachadinha
Bolsonaro se reuniu com advogados do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o Zero Um, no dia 25 de agosto, no Palácio do Planalto, para discutir estratégias sobre as investigações em torno do seu filho. O encontro não teve registro na agenda oficial

Serviços de produtora
A cobertura com fotos e vídeos da festa de inauguração de uma empresa de Jair Renan Bolsonaro, o Zero Quatro, foi realizada gratuitamente por uma produtora de conteúdo digital e comunicação corporativa que presta serviços ao governo federal. Somente neste ano, a empresa, a Astronauta Filmes, recebeu R$ 1,4 milhão do governo Bolsonaro

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