Ações sobre disparos em massa na eleição de 2018 fazem dois anos com investigação capenga

Única testemunha ouvida foi da defesa do presidente Jair Bolsonaro; pedidos de busca e apreensão foram negados

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São Paulo

Nas quatro investigações relacionadas a disparos em massa pelo WhatsApp na eleição presidencial de 2018, nenhum investigado foi ouvido, todos os pedidos de quebra de sigilo bancário e fiscal e todas as requisições de envio de documentos e notas fiscais foram recusados, nenhuma busca e apreensão foi realizada e a única testemunha ouvida foi da defesa do presidente Jair Bolsonaro.

Todas as informações acima estão nas ações que tramitam no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

As ações que motivaram a abertura das investigações foram ajuizadas pelas coligações Brasil Soberano (PDT e Avante) e O Povo Feliz de Novo (PT, PC do B e PROS) a partir de reportagens publicadas pela Folha.

As reportagens detalharam o submundo do envio de mensagens em massa pelo WhatsApp e indicavam que empresários teriam comprado pacotes de disparos de mensagens em massa contra o então presidenciável Fernando Haddad (PT) em benefício a Jair Bolsonaro (então no PSL).

Os textos também apontaram como uma rede de empresas recorreu ao uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e permitir o disparo de lotes de mensagens em benefício de políticos.

Caso comprovados pela Justiça Eleitoral, esses atos relalatos nas reportagens poderiam configurar abuso de poder econômico e uso indevido de meio de comunicação social.

Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa
Celulares usados em empresa para enviar mensagens de WhatsApp em massa - Reprodução

Em parecer emitido no último dia 1º, o vice-procurador-geral eleitoral, Renato Brill de Góes, indica que não houve procedimentos investigatórios suficientes nas quatro ações que pedem a cassação da chapa de Bolsonaro e de seu vice, Hamilton Mourão (PRTB) e que tramitam na corte desde 2018.

Segundo Góes, se não houver quebra de sigilo e envios de documentos relativos às ações, haverá “limitação de conteúdo probatório com enorme prejuízo ao real esclarecimento dos fatos”.

Ao longo de dois anos e dois meses, em sucessivas decisões, os relatores das ações negaram ao menos 16 pedidos para produção de provas e de oitiva de testemunhas.

Na época em que foram propostas as ações, em outubro de 2018, o então corregedor-geral, Jorge Mussi, não autorizou a requisição de documentação contábil, financeira, administrativa e de gestão das partes, além de quebra de sigilo bancário, telefônico e telemático e oitivas.

Em junho de 2019, em decisão monocrática, Mussi indeferiu pedidos de oitivas de testemunhas, ao afirmar que os testemunhos de nada acrescentariam "de útil e necessário ao esclarecimento dos fatos relatados na petição inicial”.

Segundo informações da corregedoria da corte, outras testemunhas foram dispensadas pelas próprias partes e outras não compareceram.

Na ação, Mussi embasou sua recusa sobre testemunhos dizendo estar diante "do flagrante interesse das pessoas indicadas no resultado da demanda e da impertinência e falta de proveito útil dos respectivos depoimentos”, de acordo com relatório do TSE.

Em contrapartida, Mussi aceitou o pedido da defesa de Bolsonaro de ouvir como testemunha Rebeca Félix da Silva Ribeiro Alves, que trabalhou durante a campanha eleitoral na agência AM4, prestadora de serviços para a chapa de Bolsonaro.

Na época, Rebeca era assessora de imprensa da Secretaria-Geral da Presidência.

Mussi não esclareceu por que não viu flagrante interesse nesse caso. O então corregedor-geral negou novamente pedido de quebra de sigilo dos investigados e de busca e apreensão.

Em março de 2019, Mussi havia excluído do processo uma das peças-chave para a ação, um empresário dono de uma agência de comunicação, afirmando que ele não havia sido localizado pela Justiça.

O empresário é Peterson Rosa Querino, sócio da agência Quickmobile, suspeita de fazer disparos em massa anti-PT pagos por empresários.

Uma outra empresa dele já foi alvo de uma petição do PSDB ao TSE sob suspeita de ter feito, em 2014, o mesmo serviço de disparos de mensagens contra o então presidenciável Aécio Neves. A petição foi feita em uma ação contra a chapa de Dilma Rousseff (PT), que acabou absolvida em 2017.

Mussi decidiu excluir Querino do processo após três tentativas para notificá-lo da apresentação de defesa.

Segundo Mussi, o objetivo da decisão foi “não comprometer a celeridade” da investigação. Duas semanas depois, quando autores da ação localizaram mais um endereço de Querino, o juiz se negou a incluir a informação na ação e tentar notificar o investigado.

Também foram indeferidos pedidos de requisição de informações à CPMI das Fake News no Congresso e ao Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo e de compartilhamento das provas relacionadas à investigação sobre a existência de suposta rede de divulgação de notícias falsas no Facebook.

Em setembro de 2019, Mussi também indeferiu a oitiva do deputado federal Alexandre Frota (PSDB-SP), “pelo fato de ser notória a inimizade entre o deputado e o investigado J. B. [Jair Bolsonaro]”.

Os depoimentos das partes foram indeferidos porque a maioria delas é demandada nas ações e, assim, não pode ser obrigada a prestar depoimento pessoal. Isso não se aplica, no entanto, ao envio de documentação requerida.

Uma das partes, Lindolfo Antônio Alves Neto foi processado em abril de 2020 pelo próprio WhatsApp por disparo em massa para fins políticos que viola termos de uso da plataforma e copyright, além de ter sido condenado pela Justiça a suspender operações. Ele também não foi ouvido nas ações do TSE.

O relator deferiu, após parecer favorável da Procuradoria-Geral Eleitoral, consulta ao relator do inquérito das fake news que tramita no STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Alexandre de Moraes, para eventual compartilhamento de informações com as duas ações que ainda não tiveram o período de instrução encerrado.

O único envio de informações realizado foi do WhatsApp. Segundo o TSE, a empresa relatou em novembro de 2019 ter detectado “comportamento anormal, indicativo do envio automatizado de mensagens em massa” por parte das empresas SMSMarket Soluções Inteligentes Ltda. e Yacows Desenvolvimento de Software Ltda.

“É incontroverso que o surgimento dessa relevante informação superveniente —que converge harmonicamente com os fatos narrados na representação inaugural— consiste em indícios suficientes para a revisitação da decisão de indeferimento das medidas cautelares requeridas pela coligação representante”, disse Góes, vice-procurador-geral eleitoral, em seu parecer.

Ele se referia ao envio de relatório contábil, relação de clientes, contratos, notas fiscais e todos os documentos necessários à demonstração das relações jurídicas no período eleitoral direcionado às empresas Havan Lojas de Departamento Ltda., AM4 Brasil Inteligencia Digital Ltda., Quick Mobile Desenvolvimento e Serviços Ltda., Yacows Desenvolvimento de Software Ltda., Croc Services Soluções de Informática Ltda. e SMSMarket Soluções Inteligentes Ltda, além de um pedido de notificação da Folha para que envie as notas fiscais que evidenciam os contratos da campanha de Bolsonaro com as mencionadas empresas.

A Aije 194358, que pedia a cassação da chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer (MDB), teve mais de 8.000 documentos anexados.

Em 4 de novembro deste ano, o relator no TSE, ministro Luís Felipe Salomão, determinou, em decisão monocrática, encerrar a instrução do processo e indeferir o pedido de detalhamento de informações pelo WhatsApp.

Procurada, a corregedoria do TSE enviou nota na qual afirma que "sempre conduziu as Aijes [ações] seguindo rigorosamente os dispositivos legais e a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral. Três ministros já atuaram como corregedores nas Aijes, apresentadas em 2018 (Jorge Mussi, Og Fernandes e Luís Felipe Salomão, atual, desde agosto de 2020).”

De acordo com a corregedoria do tribunal, “os argumentos articulados pelas partes em suas manifestações, assim como os trazidos pela Procuradoria-Geral, serão analisados no início do ano que vem pelo plenário do TSE, que decidirá a respeito".

Duas ações tiveram sua produção de provas encerrada e devem ter julgamento marcado para fevereiro. Durante o julgamento, haverá discussão sobre o pedido da Procuradoria-Geral Eleitoral de reabrir a coleta de provas e junção de todas as ações.

Já as outras duas ações tiveram reabertas as fases de instrução em 10 de outubro de 2019, diante de informações do WhatsApp e agora aguardam manifestação do ministro Alexandre de Moraes (STF) sobre compartilhamento de provas colhidas no inquérito das fake news.

Ações relativas ao uso de WhatsApp nas eleições

Aije 1782-57
Foi ajuizada pela coligação Brasil Soberano (PDT e Avante) e aponta a contratação, por pessoas jurídicas (inclusive a Havan), das empresas de tecnologia Quickmobile, Yacows, Croc Services e SMSMarket para a realização de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp. A Aije teve a instrução encerrada em 4 de novembro de 2020 e está no período das alegações finais.

Aije 1779-05
Foi proposta pelo PDT e pela coligação Brasil Soberano e apresenta como fato a ser investigado a contratação de empresas de tecnologia responsáveis pelo disparo em massa, via WhatsApp, de mensagens contra o PT. A fase de instrução foi encerrada em 10 de setembro de 2019 e também está na fase das alegações finais.

Aije 1771-28
Foi apresentada pela coligação O Povo Feliz de Novo (PT, PC do B e PROS) e questiona a contratação, por pessoas jurídicas, entre elas, a Havan, das empresas Quickmobile, Yacows, Croc Services e SMSMarket, responsáveis pelo disparo em massa, via WhatsApp, de mensagens contra o PT e a coligação O Povo Feliz de Novo.

A ação aponta ainda a existência de uma “estrutura piramidal de comunicação” para disseminar desinformação via grupos originários da campanha dos representados ou grupos derivados de WhatsApp. A Aije, em fase de alegações finais, teve reaberta a fase de instrução em 10 de outubro de 2019.

Aije 1968-80
Foi ajuizada pela coligação O Povo Feliz de Novo e apresenta como fato a ser investigado a contratação da Yacows, Kiplix e AM4 Informática para a prestação de serviço de disparos em massa de mensagens de cunho eleitoral, pelo WhatsApp.

A coligação aponta uso fraudulento de nome e CPF de idosos para registrar chips de celular e garantir disparos em massa. Ainda segundo a ação, o suposto uso de robôs deve ser investigado. A Aije ainda cita que algumas das agências contratadas foram subcontratadas pela AM4. A ação está em fase de alegações finais. A reabertura da instrução foi determinada em 15 de outubro de 2019.

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