Policial é preso por morte de integrante do MST 11 anos depois no Rio Grande do Sul

Elton Brum foi morto com um tiro nas costas durante reintegração de posse; familiares ainda aguardam indenização

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Porto Alegre

Onze anos depois do homicídio do sem-terra Elton Brum, o autor do disparo, o policial militar Alexandre Curto, foi preso na última segunda-feira (19) em Pelotas (RS).

O integrante do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) morreu aos 44 anos, em agosto de 2009, após ser atingido nas costas por um tiro. O crime ocorreu na fazenda Southall, em São Gabriel, a 298 km de Porto Alegre, durante uma reintegração de posse.

“Grande parte dos assassinatos cometidos no campo permanece impune. O fim da impunidade importa ainda mais em um contexto de acirramento de violência no campo. O padrão geral é a falta de responsabilização dos agentes do estado que cometem esse tipo de delito”, disse à Folha o advogado do MST, Emiliano Maldonado.

Bandeira do MST com a foto do agricultor Elton Brum colada em cartaz onde se lê "lutar não é crime"
Vigília de integrantes do MST durante julgamento do policial condenado por matar o sem-terra Elton Brum, em 2009, no Rio Grande do Sul - Letícia Stasiak/Divulgação MST

Além da morte, os agricultores relataram tortura física e psicológica. Crianças sem-terra também teriam sido amedrontadas com uso de cachorros e cavalaria. O caso marcou o governo gaúcho da época, então comandado por Yeda Crusius (PSDB).

"O uso de armas de fogo no tratamento dos movimentos sociais revela que a violência é parte da política deste estado", afirmou o MST na ocasião.

Em 2017, o policial foi condenado por júri popular a 12 anos de prisão e perda do cargo. Apesar disso, ele permaneceu na corporação recebendo o salário.

Em dezembro de 2020, seu salário foi de R$ 11.245,00. Procurada, a Brigada Militar respondeu que ele “poderá perder o cargo público após o trânsito em julgado da ação disciplinar ou da ação penal”.

Os familiares do trabalhador rural até hoje não receberam a indenização que deveria ser paga.

O policial recorreu ao TJ-RS (Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul) solicitando a anulação do júri popular que o condenou. Mas, em 2018, a turma de desembargadores que analisou o caso rejeitou o recurso por unanimidade. No ano passado, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) decidiu no mesmo sentido.

O advogado do policial, Christian Penido Tombini, entende que a ordem de prisão foi expedida após a decisão do STJ. A defesa do policial, porém, entrou também com um recurso do STF (Supremo Tribunal Federal), que ainda não foi julgado.

“Ou seja, enquanto for cabível recurso administrativo ou judicial o militar é mantido no cargo, pois não terá findado o processo”, disse em nota a Brigada Militar.

Segundo a defesa, o júri deve ser anulado por completo porque a tese de que Curto não teve intenção de matar Brum e de que manuseou uma arma sem saber de seu conteúdo não foi apreciada adequadamente.

Por permanecer ligado à Brigada Militar, ele não foi levado a um presídio comum e está cumprindo a pena em um quartel da corporação. O processo da perda de cargo foi encaminhado pela corregedoria da instituição em 22 de dezembro.

“Nós somos um país pobre, miseravelmente pobre e profundamente injusto. Convivemos impunemente com a miséria e a opulência. Os indicadores sociais são cruéis e apontam para um crescimento da pobreza e da miséria nos últimos dois anos. Isso significa que vai aumentar a conflituosidade social, pois numa sociedade tão injusta e desigual, não é de se esperar que não haja conflitos sociais. Quero dizer que essa conflituosidade é inerente em sociedades como a nossa e o modo como lidar com ela deve estar de acordo com o direito”, escreveu o desembargador Mauro Borba, relator do recurso do policial.

Além de manter a condenação do policial, Borba incluiu no acórdão de 2018 ordem para que o relatório de violações de direitos humanos cometidos pela Brigada Militar na reintegração de posse da fazenda fosse enviado ao Ministério Público.

“As práticas evidenciadas no relatório e nos depoimentos aludidos, se verdadeiras, não podem ser admitidas em hipótese alguma, pois importam em graves violações dos cânones do direito nacional e internacional em matéria de direitos humanos, sendo absolutamente inconcebíveis num Estado democrático de Direito”, escreveu o relator.

O desembargador determinou o envio do relatório e depoimentos ao Ministério Público gaúcho “para as providências que as evidências lá constantes exigem”.

Questionado sobre quais providências foram tomadas, a Promotoria respondeu que “o gabinete do procurador-geral de Justiça não foi oficiado do conteúdo do acórdão” e que “o Ministério Público aguarda a notificação para dar os encaminhamentos necessários”.

Procurada pela Folha, a secretaria da 1ª Câmara Criminal do TJ-RS informou que o ofício foi encaminhado ao Ministério Público em 5 de outubro de 2018, com as cópias determinadas no julgamento para providências que se fizessem necessárias.

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