Custo de voto em mulheres chega a ser quase 70 vezes mais caro que em homens

Números nos estados ligam alerta em meio a escândalos de laranjas; partidos e candidatos dizem que campanhas são reais

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São Paulo e Cascavel (PR)

A eleição de 2020 foi marcada pela desproporcionalidade no valor das despesas que candidatos e candidatas tiveram para cada eleitor conquistado, com as mulheres gastando muito mais que os homens para obter votos.

Há situações nos estados em que o custo do voto em mulheres foi dezenas de vezes superior ao dos homens de um mesmo partido. É o caso do Avante no Acre (67 vezes mais), do Pros no Rio Grande do Sul (37 vezes mais) e do PTB no Ceará (23 vezes mais).

Os dados são do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e foram tabulados pelo cientista de dados Danilo Carlotti, que é pesquisador do Insper, consultor e colaborador voluntário no Ministério Público Eleitoral em São Paulo com análises que buscam encontrar suspeitas de candidaturas de laranjas.

Normalmente, os votos das mulheres já custam mais caro que o dos homens por razões como a falta de apoio partidário. No entanto, muitas vezes também são indicativo de que parte das verbas pode ter sido desviada dessas campanhas e usada para promover candidatos homens.

Como a Folha apontou, até meados de dezembro chegaram à Justiça Eleitoral 243 ações por suspeita de fraude em relação à cota de gênero.

Na análise de Carlotti, foram desconsideradas as pessoas que não receberam nenhum voto. Para evitar distorções, também foram removidas as candidaturas que estavam entre as 5% que menos gastaram e as 5% que mais gastaram em cada estado.

Em todo o país, o custo médio por voto em mulheres ficou em torno de R$ 82, enquanto o dos homens foi de R$ 25. Ou seja, uma mulher gastou pouco mais de três vezes que um homem para obter um voto.

No estado de Pernambuco, essa diferença foi acentuada. Uma mulher gastou quase cinco vezes mais por voto no estado do que os homens.

“As conjunturas são para o Ministério Público investigar, mas há alguns partidos em que as mulheres são desproporcionalmente pouco eficazes nas eleições”, afirma Carlotti.

Sete candidatas gastaram mais de R$ 10 mil e receberam apenas um voto —entre os homens, a maior cifra para ter esse mesmo retorno foi de aproximadamente R$ 7.000.

Se removidos os candidatos que obtiveram votação inexpressiva, isto é, levando em conta a metade que teve mais votos, quem teve o maior custo de voto foi a contadora Maria Jussimar Pereira da Costa Santos, a Jussi do Simião (Republicanos).

Candidata a vereadora em Palmas, ela gastou R$ 147 mil e obteve apenas 70 votos —cada voto custou aproximadamente R$ 2.100.

O dinheiro de Jussi do Simião foi enviado à campanha dela pela direção nacional do Republicanos. À Justiça Eleitoral Jussi deu como justificativa para seus gastos principalmente despesas com serviços de advogados e contadores.

Gastou R$ 27,5 mil em "criação para páginas na internet". No entanto, apontou como site de campanha seu perfil pessoal do Facebook, sem foto e com 92 amigos.

Procurada pela reportagem, desligou o telefone. Horas depois, respondeu em uma nota assinada com a assessora jurídica, Daniela Cerqueira. Disse que se decepcionou “de uma forma inesperada” e se arrepende profundamente de ter saído candidata a vereadora, “primeira e única vez”.

“Eu imaginei que seria realmente eleita, me decepcionei, mas as coisas não são da forma que pensamos”, disse Jussi.

“Fiz campanha para ser eleita vereadora, mas não tenho controle sobre o voto das pessoas. Estou certa de que tudo que recebi foi devidamente empregado para a campanha. Não acredito em voto caro ou barato, voto é voto e para se fazer campanha são necessários investimentos em assessorias jurídicas e contábeis, marketing e outros gastos."

Nacionalmente, o Patriota foi o partido que teve a maior disparidade de proporção entre o custo do voto dos homens e o das mulheres. No caso da legenda, elas gastaram mais de quatro vezes mais que eles para obter um voto. Depois do Patriota, aparecem PSD e Republicanos.

Por outro lado, nos partidos UP e Novo, os homens gastaram mais do que as mulheres para obterem votos.

A lei determina que nenhum dos gêneros pode ter menos que 30% das candidaturas de um partido ou coligação em eleições legislativas (exceto ao Senado) —na prática, isso estabeleceu uma cota para mulheres, historicamente sub-representadas na política.

Em 2018, o TSE entendeu que os recursos do fundo eleitoral também deveriam ser destinados aos gêneros na mesma proporção no mínimo 30%.

A especialista em direito eleitoral e professora do IDP Marilda Silveira afirma que “é possível que a elevação dos custos das campanhas femininas em relação ao voto envolva a existência de fraudes”, mas “não se pode chegar a essa conclusão por este único elemento”.

Ela afirma que apesar dos avanços para mulheres nos últimos anos, sobretudo em relação à possibilidade de ter educação formal, “a participação feminina na política de forma direta continua incongruente”.

Marilda aponta que os homens historicamente sempre ocuparam núcleos de poder na sociedade —em empresas, associações e também na política— e que, hoje, “ocupar qualquer dessas posições implica em destituir um poder posto, tarefa que, inegavelmente, exige maiores esforços”.

Ainda diz que ocupar uma função pública favorece as chances de êxito em uma nova eleição, o que é benéfico para os homens. Ressalta também que aspectos culturais acabam reduzindo a disposição de mulheres de participar da vida política.

A cota de gênero foi um estímulo ao aumento da participação das mulheres na política, mas frequentemente esse dinheiro tem sido desviado para promoção de homens por meio de candidaturas falsas ou não competitivas.

Dados de prestação de contas da eleição de 2018 também mostram desproporcionalidade entre gastos de candidatas e candidatos no estado de São Paulo, com mulheres gastando até 20 vezes mais para cada voto conquistado.

Em 2014, antes da cota, a disparidade nesse quesito era significativamente menor, embora o valor total destinado às candidatas tenha crescido em 2018.

Em 2018, a Folha revelou um desses esquemas, ligado ao PSL, à época partido do presidente Jair Bolsonaro. Em São Paulo, legendas como Solidariedade e Podemos foram alvo de ações do Ministério Público devido à suspeita de candidatas falsas ou sem condições de disputa.

A reportagem procurou os três partidos que tiveram as maiores diferenças de custo de voto nos estados. O Avante não retornou.

O Pros do Rio Grande do Sul, por meio do advogado Rodrigo Neves, informou que cumpriu todos os requisitos legais em relação à cota de gênero e que todas as campanhas foram reais. Ele diz ter provas fotográficas das atividades diárias dos candidatos e candidatas e do material de campanha de cada um.

O partido, ele informa, é pequeno no estado e está se reestruturando. Como em 2020 houve mais candidatos a vereador em Porto Alegre devido ao fim das coligações proporcionais, o voto acabou se pulverizando e muitos não conseguiram o resultado esperado.

No Ceará, o vice-presidente do PTB estadual, Apóstolo Ribeiro Amaral, disse que houve uma troca recente do grupo que comanda o partido e a nova proposta é abri-lo "para os cidadãos de bem", posicionado como direita conservadora e em apoio ao presidente Bolsonaro.

"O projeto é sairmos em 2022 chapa cheia, e as cotas das mulheres serão cumpridas rigorosamente, tudo conforme a lei."

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