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Direito ao esquecimento vai contra liberdade de expressão, diz advogada que atua em ação no STF

Taís Gasparian defende que doutrina não deveria ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal

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São Paulo

Em sua primeira sessão de 2021 nesta quarta-feira (3), o STF (Supremo Tribunal Federal) tratará do chamado direito ao esquecimento.

A advogada Taís Gasparian, que atua no processo como amigos da corte da Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) e é advogada da Folha, se coloca contra o reconhecimento de um direito ao esquecimento pelo tribunal.

Segundo ela, "o Supremo é um tribunal que analisa questões constitucionais e não há nada na Constituição Federal que dê algum lastro, algum apoio que sustente a inserção desse conceito no ordenamento jurídico brasileiro".

O caso concreto que o STF julgará envolve a exibição de um episódio do programa televisivo Linha Direta, que reconstitui um crime mais de 50 anos depois de sua ocorrência.

Os familiares de Aída Curi —jovem que foi violentada e assassinada na década de 1950 e cujo caso foi amplamente divulgado pela imprensa à época— pedem uma indenização à TV Globo.

Homens de terno durante julgamento em tribunal, ao lado dos reús, há dois guardas
Os réus Ronaldo Guilherme de Souza Castro (de óculos escuros) e Antonio João de Souza no julgamento, em 1960, do assassinato de Aída Curi, ocorrido dois anos antes - Folhapress

Em sua opinião, o Supremo deveria reconhecer a existência do direito ao esquecimento? Por quê? Na minha opinião, o Supremo não deveria reconhecer esse direito ao esquecimento. Não existe nada na Constituição Federal que leve a esse reconhecimento, o Supremo é um tribunal que analisa questões constitucionais e não há nada na Constituição Federal que dê algum lastro, algum apoio que sustente a inserção desse conceito no ordenamento jurídico brasileiro.

Não existe, porque é contra a liberdade de expressão, você tira acesso à informação das pessoas. A Constituição é favorável à liberdade de informação, ao acesso à informação, à memória, a arquivos, tudo isso são dispositivos da Constituição Federal que protegem o não direito ao esquecimento.​

A proteção à privacidade e à intimidade não ensejaria eventualmente esse reconhecimento do direito a esquecimento? Então, a proteção à intimidade, à privacidade, é uma proteção de direitos individuais, é de cada pessoa. O que eu acho é que com o direito ao esquecimento você tira do conhecimento do público. O direito ao esquecimento diz respeito à população, a todos os cidadãos. Ele não tem relação com uma ou duas pessoas.

Então, se você autorizar o direito de esquecimento numa decisão do Supremo agora, nós estaremos com um flanco aberto, com uma porteira aberta para que diversas informações sejam retiradas da internet, retirada dos arquivos, porque o direito ao esquecimento não se refere só à internet.

Pessoas que foram condenadas, mas já cumpriram a pena, ou que foram vítimas de um crime violento deveriam ter o direito de que tal fato não fosse novamente veiculado pela imprensa? Depende, tudo isso depende. Mas, na verdade, a ideia é a seguinte: se os crimes ou se as vítimas, se o assunto foi alguma vez veiculado pela imprensa, isso significa que ele teve uma relevância no momento.

Eu entendo que os casos que são tratados pela imprensa são casos que têm uma função social, tiveram uma função. Então esses casos —que é um dos assuntos do caso Aída Curi, [que] foi um marco, foi noticiado na época, foi um horror o que aconteceu— alguma memória a gente tem que ter.

Um dos argumentos dos que defendem tal direito é de que, com a internet e a facilidade para se localizar informações do passado, as pessoas têm dificuldade em recomeçar suas vidas. Como o direito pode lidar com isso? Então, aí já tem um problema, para responder sua pergunta, que decorre da falta de definição do que seja direito de esquecimento, porque se o direito ao esquecimento é um direito à desindexação é uma coisa, se o direito ao esquecimento é o direito à remoção de qualquer notícia, de notícias ou de arquivos, ou remoção de conteúdo da internet é outra coisa.

O Supremo, se der uma decisão dúbia nesse caso, se der uma decisão cheia de um fala uma coisa, outro fala outra, cada ministro fala uma opinião sobre o assunto, vai acabar que não teremos uma clareza sobre o assunto. Então, será uma decisão que, na verdade, não vai trazer nenhum benefício. Eu acho que o Supremo precisaria ser claro e direto na decisão que vai ter.

Lembrando que, neste caso da Aída Curi, o que os autores, os familiares Aída Curi, pediram, no início, era uma indenização. Por quê? Porque eles dizem que a Globo não pagou para eles o direito de tratar do assunto. Então a grande pergunta que eu faço é a seguinte: no caso, se tivessem pago um valor pela autorização, então não tinha o que esquecer?

O assunto, aliás, é péssimo para resolver as questões do direito ao esquecimento, porque não é um caso típico.

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