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Despesas invisíveis com lanches de desembargadores são irregulares, aponta parecer do TJ-SP

Corte afirma que documento ainda não é conclusivo e que presidência tem buscado aprimoramento de gastos

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São Paulo

Um parecer prévio elaborado pela área técnica do Tribunal de Justiça de São Paulo vê irregularidade no fornecimento cotidiano de lanches aos magistrados, sobretudo quando comprados com uma verba oculta ao público e que deveria ser usada para situações emergenciais.

O documento, obtido pela Folha e assinado por quatro servidores da DAI (Diretoria de Auditoria Interna), é a favor da interrupção de uma prática que acontece ao menos desde 2016 na corte.

O TJ diz que o documento não é conclusivo, está sob análise e só depois será enviado para aval do presidente da corte, desembargador Geraldo Pinheiro Franco.

Como revelado pelo jornal no ano passado, o TJ paulista se vale da chamada "verba de adiantamento" para fazer compras para consumo de desembargadores.

Só em 2019 foram gastos R$ 304 mil com lanches de desembargadores, sem licitação e com o uso dessa verba, cuja finalidade é ser utilizada para "despesas efetivamente extraordinárias, urgentes, não previsíveis ou de pequeno vulto, cuja realização não permita delongas ou que tenham de ser efetuadas em lugar distante da repartição pagadora".

Não tinham direito a solicitar esses lanches os juízes de primeira instância, que são os magistrados estaduais que não foram promovidos a desembargadores ou não trabalham como substitutos de desembargadores. O TJ-SP tem 360 desembargadores.

No início de 2020, os gastos com lanches incluíram produtos como queijo maasdam holandês (R$ 67,90 o quilo) e salame hamburguês Di Callani (R$ 60,25 o quilo), além de frutas como kiwi gold (R$ 59,99 o quilo). Em janeiro do ano passado foram gastos R$ 2.154 somente com carne moída.

Com o avanço da pandemia da Covid-19 em 2020, o fornecimento regular de alimentos com verba de adiantamento foi suspenso.

Esse tipo de compra faz com que o tribunal evite que esses gastos sejam divulgados de forma pública e depois questionados pela população. Isso acontece porque os dados são fechados, ao contrário de aquisições feitas por meio de processos públicos.

Os gastos com lanches por meio de verba de adiantamento têm sido questionados pelo TCE (Tribunal de Contas do Estado) ao menos desde 2017. Agora, o parecer da DAI contrário a essas despesas tem o objetivo de consolidar a orientação técnica do Tribunal de Justiça de São Paulo, que deve ou não ser avalizada pelo presidente Pinheiro Franco.

A DAI opina, no parecer, pela "ilegitimidade e irregularidade do custeio de fornecimento regular e cotidiano de lanches aos magistrados durante o exercício normal de suas atividades". Segundo a diretoria, não há respaldo nesse fornecimento na legislação vigente.

Também diz que as compras de lanches não têm relação com os objetivos finalísticos do TJ, que elas são contrárias ao interesse público e que há duplicidade no benefício —já que magistrados na ativa têm direito a auxílio-alimentação.

Além disso, aponta haver "inadequação do uso da verba de adiantamento para aquisição de gêneros alimentícios para este fim". O motivo é que não se trata de situação emergencial, mas sim de um gasto regular e cotidiano, e nem é "despesa miúda, visto que o total da verba utilizada monta em R$ 304.276,75 anuais (apenas no Palácio da Justiça)".

Há, sim, possibilidade de comprar comida com essa verba, diz o parecer. Mas apenas em "situações extraordinárias, vinculadas às atividades finalísticas do órgão e com moderação de recursos ('pequenos lanches')".

Existe, inclusive, "previsão expressa para o custeio de despesa miúda com lanches e café".

Em um relatório de fiscalização concluído em março do ano passado, o órgão de contas questionou os gastos com os lanches.

“A nosso ver, essas despesas não possuem caráter excepcional, emergencial e muito menos são despesas miúdas, podendo subordinar-se ao processo normal de realização, fato que não ocorreu, devido à atuação não planejada da administração”, afirmaram os técnicos do TCE no relatório.

No relatório, foi citado ainda que, após uma alteração de fornecedor em maio de 2019, os valores mensais dos produtos tiveram um aumento de 17%.

“Ficam prejudicados os princípios da competitividade e da vantajosidade da contratação, eis que, a nosso ver, haveria a possibilidade de uma licitação e não foi dada aos possíveis proponentes a oportunidade de demonstrar a melhor oferta”, disseram os fiscais.

Em 2021, segundo pauta de reunião do TCE com o TJ em março, a equipe de fiscalização do órgão de contas voltou a questionar o Judiciário sobre os gastos de lanches com verbas de adiantamento e cobrou providências para que isso seja evitado.

A intenção inicial do TJ era a de manter a compra de lanches ao menos para os desembargadores do Conselho Superior de Magistratura, que apesar do isolamento social ainda têm que comparecer aos seus gabinetes.

Procurado, o Tribunal de Justiça de São Paulo afirma que o parecer ainda está em análise da DAI para "elaboração de parecer conclusivo e, por essa razão, ainda não foi encaminhado à presidência".

O TJ afirma que "não há utilização de verba dessa natureza desde março de 2020, quando foram suspensas as sessões de julgamento presenciais". Documentos apontam, no entanto, uso da verba de adiantamento para gastos menores com lanches em novembro do ano passado e em fevereiro deste ano.

"É necessário destacar que a presidência busca sempre o aprimoramento dos gastos do Tribunal de Justiça fundamentada nas análises e nas proposituras da DAI, que atua justamente no constante aperfeiçoamento dos processos de trabalho para se manter em conformidade com as normas aplicáveis ao setor público", diz nota do Tribunal de Justiça.

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