Suposto laranja de Flávio Bolsonaro assume futuras dívidas de loja suspeita de elo com 'rachadinha'

Ex-sócio será responsável por eventuais passivos; filho do presidente ficou com R$ 100 mil após encerramento de empresa

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Rio de Janeiro

Apontado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro como um possível laranja do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o empresário Alexandre Santini aceitou assumir eventuais futuras dívidas da loja de chocolate em que os dois eram sócios, isso após o encerramento das atividades da empresa.

Santini era o administrador de uma franquia da Kopenhagen, apontada como uma das possíveis vias de lavagem de dinheiro do esquema da “rachadinha” investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.

Especialistas afirmam ser comum delegar ao sócio-administrador após o distrato a responsabilidade por eventuais novas dívidas, que podem incluir possíveis cobranças da Receita Federal ou condenação por processos trabalhistas —já há um em curso contra a empresa instaurado após seu fechamento.

“É uma cláusula comum quando se quer proteger algum dos sócios”, disse André Saad, professor de direito empresarial da Universidade Candido Mendes.

Ele afirma, porém, que o patrimônio do senador pode ser atingido caso uma futura dívida supere a capacidade financeira de Santini.

O distrato, documento que oficializa o fim da Bolsotini Chocolates e Café, também indica que cada um dos sócios ficou com R$ 100 mil da empresa.

De acordo com Gustavo Coelho, professor de direito empresarial do Ibmec-RJ, é possível que os sócios tenham recolhido por meio de dividendos outros valores antes do distrato em si —recursos estes que não precisam ser informados à Junta Comercial, mas sim declarados à Receita.

Os R$ 200 mil divididos igualmente entre os dois equivalem ao capital social da empresa no momento de sua abertura.

Procuradas, as defesas de Santini e Flávio não comentaram os termos do distrato.

Flávio afirmou que usou o dinheiro do encerramento da loja para ajudar a pagar a mansão de R$ 6 milhões que comprou em Brasília. A data do encerramento das atividades da firma, contudo, ocorreu após o pagamento da entrada no novo imóvel do senador.

O distrato da Bolsotini foi assinado no mesmo dia em que Flávio lavrou a escritura de compra de sua mansão em Brasília, em 29 de janeiro deste ano.

Contudo a empresa RVA Construções e Incorporações, vendedora da mansão, afirmou no último dia 3 que recebeu três transferências bancárias no fim do ano passado: R$ 200 mil em 23 de novembro, R$ 300 mil em 10 de dezembro, e R$ 590 mil em 11 de dezembro. Todas antes da assinatura do distrato da Bolsotini.

Outra fonte de recursos, segundo ele, foi a venda de um imóvel na Barra da Tijuca, operação ainda não oficializada no Registro de Imóveis —a medida é responsabilidade do comprador e sem prazo para ocorrer.

A franquia da Kopenhagen é apontada pelo MP-RJ como um possível caminho de lavagem de R$ 1,6 milhão do suposto esquema de “rachadinha” no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. O caso estava sob investigação até a decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) de anular a quebra de sigilos bancário e fiscal do caso.

Santini é apontado pelo MP-RJ como um suposto “laranja” de Flávio na constituição da empresa. A Promotoria identificou que partiu das contas da mulher do senador, a dentista Fernanda Bolsonaro, todo o investimento inicial na empresa.

Os investigadores apontam ainda indícios de que o senador foi o responsável por quitar toda a compra da franquia, por R$ 800 mil, em dezembro de 2014.

De acordo com o MP-RJ, o nome de Santini foi usado apenas para adicionar mais um sócio à empresa para simular a divisão do investimento que o senador não teria como, sozinho, explicar a origem.

“Como Flávio e Fernanda não possuíam fontes de receitas lícitas para custear sequer a metade do investimento para aquisição e operação da loja Kopenhagen, a informação de que o administrador Alexandre Santini teria dividido os custos do empreendimento pode ter sido falsamente inserida nos contratos com a finalidade de acobertar a inserção de recursos decorrentes do esquema de ‘rachadinhas’”, escreveu o MP-RJ em dezembro de 2019, quando realizou buscas na loja do senador.

O filho mais velho de Jair Bolsonaro é acusado de liderar um esquema de “rachadinha” em seu antigo gabinete na Assembleia, levado a cabo por meio de 12 funcionários fantasmas de 2007 a 2018, período em que Fabrício Queiroz, amigo do presidente e suposto operador financeiro do grupo, esteve lotado em seu antigo gabinete.

De acordo com o MP-RJ, foram desviados dos cofres públicos R$ 6,1 milhões, dos quais para R$ 2,08 milhões há comprovação de repasse para Queiroz.

Outros R$ 2,15 milhões foram sacados das contas de supostos “funcionários fantasmas”, recursos que os promotores afirmam terem sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.

Flávio foi denunciado em novembro pela Promotoria fluminense sob a acusação dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.

A Quinta Turma do STJ, contudo, anulou a decisão que autorizou as quebras de sigilo bancário e fiscal do senador e outros investigados do caso. O MP-RJ ainda estuda se vai recorrer.

Caso a decisão permaneça em vigor, a denúncia deve ser arquivada e a investigação, recomeçada do início.

A defesa de Santini afirmou que só comentaria as suspeitas do MP-RJ e os termos do distrato da empresa nos autos, em razão do sigilo do processo.

A assessoria de Flávio Bolsonaro não respondeu aos questionamentos da reportagem. À época do oferecimento da denúncia, a defesa do senador negou as acusações e apontou o que considera "erros bizarros".

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