Diretor do Butantan erra ao afirmar que Coronavac era a vacina mais avançada em abril de 2020; veja checagem

Dimas Covas prestou depoimento na CPI da Covid no Senado nesta quinta-feira (27)

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Marcela Duarte Maurício Moraes Nathália Afonso
Agência Lupa

Diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas prestou depoimento à CPI da Covid no Senado nesta quinta-feira (27). Ele falou sobre a falta de apoio do governo federal no desenvolvimento da Coronavac e da mudança de posicionamento em relação à aquisição da vacina em outubro, quando o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse que não compraria a vacina.

Covas disse ainda que o instituto ofertou 60 milhões de doses a serem entregues até o fim do ano passado, mas que não houve resposta. De acordo com ele, o Butantan, depois de outubro, só continuou o desenvolvimento porque havia interesse de estados e municípios. O diretor disse ainda que a falta de interesse do governo federal no meio do ano passado afetou o cronograma de entrega, já que o interesse só foi manifestado quando já havia muita disputa de insumos e vacinas no mundo.

Já foram ouvidos pela CPI a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, e os ex-ministros da Saúde Eduardo Pazuello, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do atual ministro, Marcelo Queiroga. O ex-chanceler Ernesto Araújo também prestou depoimento, entre outros.

Veja, abaixo, a checagem.

O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, durante depoimento na CPI, nesta quinta-feira (27)
O diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, durante depoimento na CPI, nesta quinta-feira (27) - Pedro Ladeira/Folhapress

Em abril, ela [Sinovac] já tinha uma vacina [contra o Sars-CoV-2] sendo testada em fase 1 e 2 lá na China

Dimas Covas

Durante depoimento na CPI

VERDADEIRO

Em abril do ano passado, a farmacêutica chinesa Sinovac lançou as fases 1 e 2 dos testes clínicos (NCT04352608), um estudo randomizado, duplo-cego e controlado por placebo que avaliou a na época candidata à vacina em adultos saudáveis com idade entre 18 e 59 anos. A fase 1 dos testes da vacina contra a Covid-19 contou com a participação de 144 voluntários na província Jiangsu, de acordo com informações da revista Science. Já a fase 2 contou com 600 participantes.

Naquele momento [abril de 2020], a vacina [Coronavac] que era mais desenvolvida era essa que já estava praticamente pronta

Dimas Covas

Durante depoimento na CPI

FALSO

Embora tenha sido uma das primeiras a começar a testar o imunizante, a Sinovac não tinha a vacina “mais desenvolvida” em abril de 2020. Duas outras companhias começaram os ensaios clínicos um mês antes da farmacêutica chinesa. A Moderna, farmacêutica dos Estados Unidos, e a CanSino Biologics, também da China, iniciaram seus primeiros testes um mês antes, ambas em 16 de março. As informações são do Clinical Trials, base de dados de ensaios clínicos mantida pelo governo norte-americano.

Os ensaios clínicos da Coronavac começaram na China em 16 de abril de 2020, exatamente um mês depois. As fases 1 e 2 dos testes foram realizadas simultaneamente. Na primeira, foram 144 voluntários, enquanto 600 chineses foram vacinados na segunda. Os resultados foram publicados, em novembro, na revista The Lancet. Parte da terceira fase foi realizada no Brasil, a partir de junho, em parceria com o Instituto Butantan.

As outras duas vacinas que começaram antes, a da Moderna e a da CanSino Biologics, não estão sendo usadas no Brasil. A primeira foi aprovada para uso emergencial nos Estados Unidos em 18 de dezembro de 2020. Já a da CanSino foi aprovada na China em fevereiro de 2021.

Aplicada no Brasil desde janeiro, a vacina da Universidade de Oxford com a Astrazeneca também começou a ser testada no mês de abril, pouco mais de uma semana depois da Coronavac. A Pfizer, cuja vacina também está disponível no Brasil, começou os ensaios clínicos de seu imunizante em maio. Ambas realizaram as fases 1 e 2 de forma simultânea.

Em nota, a assessoria de imprensa do Instituto Butantan disse que a etapa de desenvolvimento não foi o único critério usado pela instituição. “À época, o instituto buscava uma tecnologia que já existisse no parque industrial do Butantan (vírus inativado), além de uma vacina que estivesse avançada na linha de desenvolvimento (...) e um laboratório que aceitasse realizar a transferência de tecnologia”, diz a nota. “É nesse contexto que o professor Dimas proferiu sua fala.”

No final de dezembro, o mundo tinha aplicado pouco mais de 4 milhões de doses

Dimas Covas

Durante depoimento na CPI

SUBESTIMADO

O número de vacinas aplicadas em dezembro de 2020 é significativamente maior do que 4 milhões de doses. De acordo com o site Our World in Data, da Universidade de Oxford, em 31 de dezembro de 2020, já haviam sido aplicadas 9,02 milhões de doses de vacina contra a Covid-19 no mundo todo. Naquele momento, a China havia aplicado 4,5 milhões de doses e os Estados Unidos, 2,79 milhões. Esse dado representa o número total de doses administradas, ou seja, dose única, e não o número de pessoas vacinadas.

A regulamentação para uso emergencial das vacinas no Brasil saiu em dezembro pela Anvisa

Dimas Covas

Durante depoimento na CPI

VERDADEIRO

Em dezembro do ano passado, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) definiu quais eram os requisitos mínimos para que laboratórios solicitassem a autorização de uso emergencial de vacinas contra a Covid-19. O documento estabelece que a empresa que submeter um imunizante precisa fornecer dados do ensaio clínico que comprovam a qualidade da vacina, se comprometendo ainda a acompanhar a aplicação do imunizante e garantir condições de manutenção.

A HEK [293], é uma célula usada em processos biotecnológicos, [mas] não no caso dessa vacina. Em relação a essa vacina, especificamente, são as células Vero, que é uma célula de macaco, de rim de macaco

Dimas Covas

Durante depoimento na CPI

VERDADEIRO

A cultura de células utilizada pela Sinovac no desenvolvimento da Coronavac é da linhagem Vero, iniciada em 1962 a partir de células renais de uma espécie africana de macaco. Essa informação consta no estudo publicado pelo The Lancet em novembro de 2020, no qual pesquisadores da companhia explicam os resultados dos estudos de primeira e segunda fase de ensaios clínicos da vacina. A linhagem celular HEK-293, mencionada na CPI pelo senador Eduardo Girão (MDB-CE), não foi utilizada.

Culturas celulares são conjuntos de células desenvolvidas em laboratório para uso em pesquisas científicas ou desenvolvimento de produtos. Na fabricação de vacinas, elas são usadas para cultivar os antígenos —o elemento que será usado para estimular o sistema imunológico. No caso da Coronavac, uma vacina de vírus inativado, trata-se do próprio vírus Sars-CoV-2. Isso significa que elas não são inseridas na vacina, e sim fazem parte do processo de produção.

Essas culturas de células geralmente são criadas a partir de um tecido de um único organismo, que é multiplicado artificialmente em laboratório. No caso das células Vero, são células do rim de um macaco morto em 1962.

Algumas linhagens celulares foram desenvolvidas a partir de células-tronco humanas. A HEK-293, por exemplo, foi criada em 1973 a partir de tecidos de um feto abortado legalmente na Holanda e vem sendo multiplicada em laboratório até os dias de hoje. Ou seja, embora ela tenha origem em um embrião humano, isso não significa que são necessários outros abortos para que continue sendo produzida. Algumas vacinas, incluindo a de Oxford/AstraZeneca, usam a HEK-293 em sua produção.

Edição Chico Marés

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